Revisão dos Alimentos Liminares

Autores: Rolf Madaleno

SUMÁRIO

  1. Alimentos liminares.
  2. Alimentos provisórios e alimentos provisionais.
  3. A cautelar satisfativa como primeiro passo de evolução.
  4. O benfazejo da tutela antecipada.
  5. O caminho inverso da revisão dos alimentos.
  6. Dos efeitos da apelação nos alimentos.
  7. A relativização do efeito suspensivo.
  8. O princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
  9. A eqüidade processual do direito alimentar.
  10. Conclusão.

•1.     Alimentos liminares.

         Alimentos no mundo jurídico, respeitam às prestações em dinheiro ou em espécie, fornecidas por uma pessoa a outra para que ela possa viver.[1]  A prestação alimentícia busca justamente suprir as carências que impedem a geração de recursos próprios, com fundamento num princípio de solidariedade familiar ou parental.[2]  Os alimentos visam a garantir a própria subsistência do ser humano, direito fundamental e quando uma pessoa não consegue subsistir por seus próprios meios, frente às suas carências, limitações ou dificuldades, a lei impõe aos que com ele integram uma mesma comunidade familiar, um dever recíproco de solidariedade. Arnaldo Rizzardo dá a exata dimensão da real representação do vínculo alimentar, quando recorda estar fundamentada a obrigação alimentícia num interesse superior, que é a preservação da vida humana e a necessidade de dar às pessoas certa garantia no tocante aos seus meios de subsistência.

         A disciplina judicial do alimentos está governada por um indisfarçável interesse público, relacionado na integridade da pessoa, sua conservação e sobrevivência, como direitos inerentes à personalidade. São normas de ordem pública, ainda que impostas por motivo de humanidade, de piedade ou solidariedade, complementa Rizzardo,[3] pois resultam do vínculo de família, aliás, base da sociedade.

         Disso resulta bastante presente a importância no contexto processual dos alimentos serem deferidos no limiar do procedimento judicial, concedidos em cognição sumária, freqüentemente sem a prévia audiência da parte oponente, pela particular urgência de que se reveste o direito alimentar para assegurar a subsistência da pessoa alimentada. 

         Portanto, como visto, a expedição de mandado judicial de deferimento liminar de alimentos provisórios ou provisionais ou através da tutela antecipada, tem a sua justificativa na sua função emergencial de prover a pessoa necessitada de meios materiais capazes de garantir a sua sobrevivência na pendência do processo que usualmente pesquisa o direito à concessão e a quantificação final do crédito alimentar. Com processos tradicionalmente morosos, seria impensável permitir que a subsistência diuturna de um dependente alimentar pudesse aguardar no tempo, enquanto fossem travadas as longas discussões jurídicas, num sistema processual que assegura tantas oportunidades de defesa e uma infinidade de engenhosos e intermináveis recursos, capazes de postergarem até a exaustão da tolerância humana, a solução jurídica dos litígios.

         Anota Paulo Lucon que a demora na outorga da prestação jurisdicional aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonarem suas causas, ou a aceitarem acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.[4] Marinoni com o escólio de Andolina, fala em dano marginal, como conseqüência intrínseca da lentidão processual.[5] Dano inaceitável no âmbito do direito aos alimentos, dado à fundamental importância do instituto alimentar, pois intimamente ligado à vida da pessoa, à sua subsistência física e moral, vinculado à integridade e à dignidade do alimentário, cujo crédito não pode ser adiado sob hipótese alguma, sendo encargo diferenciado e especial na seara do Direito de Família. Logo, não é outra a finalidade da concessão dos alimentos liminares, senão a de propiciar ao credor os meios mínimos e urgentes, destinados a assegurar a sua manutenção durante o desenvolvimento do processo.

          Destaca Carlos Alberto Álvaro de Oliveira[6] a função jurisdicional dos alimentos liminares pautada na necessidade urgente do credor. Muito embora o juiz possa decidir mais tarde de modo diverso, mediante uma cognição plena, no âmbito da apreciação liminar deve ser considerado apenas, que a vida não pode esperar comodamente, até quando restem solvidas entre os litigantes as suas dissensões pessoais que vão sendo transportadas para o processo alimentar, no contrafluxo da efetividade reclamada em nome da necessidade e da solidariedade alimentar.

2. Alimentos provisórios e alimentos provisionais.

         Há que se concordar com João Batista Lopes [7] quando informa que os alimentos provisionais constituem forma de tutela diversa dos alimentos provisórios. Infelizmente o tema vem sendo pouco debatido e tem gerado muita confusão, valendo-se os alguns cultores e muitos intérpretes de ambas as expressões jurídicas como se fossem sinônimas e, com efeito que sinônimas elas não são, embora carreguem alguns traços de semelhança, transitam em faixas acentuadamente diferentes, muito embora até possa ser asseverado que o alcance processual dos alimentos provisionais é mais abrangente e que pode, dependendo apenas da faculdade discricionária da parte litigante, atender aos mesmos propósitos daquele demandante que se serve da instituto dos alimentos provisórios, cuja órbita de aplicação processual é restrita àqueles que de início já comprovam o seu vínculo de parentesco.

         Seu ponto em comum está estruturado na possibilidade das duas espécies de tutela alimentar preverem a expedição de mandado liminar, deferindo o adiantamento dos alimentos iniciais, fixados em caráter temporário pelo juiz da causa, para garantir os recursos necessários à subsistência do alimentário no fluir do processo.

         Como bem expôs Carlos Alberto Álvaro de Oliveira,[8] existem duas tutelas jurisdicionais estruturalmente distintas, mas com a mesma função de prover liminarmente a subsistência do alimentando. Regidos pela Lei nº 5.478/68 estão os alimentos provisórios, que podem ser postulados quando se achem provadas a relação parental e a obrigação alimentar. Já os alimentos provisionais defluem da tutela cautelar prevista nos arts. 852 e ss. do Código de Processo Civil e dependem dos pressupostos normais da tutela assecurativa, do fumus boni juris  e do periculum in mora. Interessante observar que os alimentos cautelares ou provisionais, não clamam a prova imediata do vínculo parental, embora também não signifique dizer que a sua postulação judicial esteja restrita aos que não possuem prova antecipada de relação de parentesco.

         Marco Aurelio S. Viana também traz a sua contribuição para a plena elucidação de tema gerador de tantas dúvidas e equívocos processuais. Segundo Viana, é o Código de Processo Civil em seus artigos 852 a 854, que fala em alimentos provisionais, enquanto a Lei nº 5.478/68 dispõe a respeito dos alimentos provisórios.[9] Prossegue esse festejado autor mineiro, esclarecendo terem ambos os institutos a mesma finalidade, identificada na concessão temporária e preliminar dos alimentos, para que o credor possa atender à sua subsistência no correr do processo. Mas, a distinção vai além da própria terminologia, porquanto os alimentos provisórios têm lugar na Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68) e os provisionais são pedidos em caráter preparatório ou incidental, nas hipóteses do artigo 852 do CPC. Ou seja, lhes dá a duvidosa configuração de tutela cautelar, pendente sempre, de uma demanda posterior, como reza o artigo 796 do vigente Diploma Processual Brasileiro e, deferidos para prevenir riscos de dano.

3.  A cautelar satisfativa como primeiro passo de evolução.

         A regra das ações cautelares ordenadas na processualística brasileira como sendo integrantes de um terceiro gênero de processo, posto ao lado do procedimento ordinário e da execução, é de as cautelares serem instauradas antes ou no curso da ação principal e deste seriam sempre dependentes, dando a impressão de sempre existir um processo principal atrelado a uma demanda cautelar.

         De fato a medida cautelar tem a precípua função instrumental de proteger a tutela pretendida no processo principal contra os efeitos danosos do tempo.[10] Entrementes e isso demonstra claramente Alice Birchal,[11] existem medidas onde a tutela cautelar já foi satisfatória, restando sem nenhuma utilidade prática a instauração de um processo a ser chamado de principal, como disso é frisante exemplo a cautelar de entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos, admitida pelo art. 888, II, do CPC. São ações cautelares consideradas satisfativas, que dispensam posterior discussão na chamada ação principal, ou como arremata Alice Birchal[12]: "são medidas de urgência que bastam para solucionar o mérito da questão, ferindo de morte o objeto da ação principal, que por isso não precisará ser proposta por inócua." 

         Vale recolher para desfecho, a lição de Lucon,[13] ao expor sobre o estreitamento do vínculo de instrumentalidade verificado entre determinados processos cautelares e suas ações principais, atingindo um índice de autonomia, que faz com que o processo deixe de ser cautelar passando a outorgar os mesmos resultados da ação principal. A tutela sumária satisfativa visa à realização do direito,[14] em provimento que não acautela esse direito, mas antes, o realiza.

4. O benfazejo da tutela antecipada.

         Muito mais para dar efetividade ao direito e ao anseio do jurisdicionado e deixando de lado as mesuras jurídicas destas verdadeiras filigranas processuais, marcadas pelo acúmulo de demandas do gênero cautelar e principal, mas nem sempre nesta mesma ordem, foi que surgiu a tutela antecipada como uma das mais úteis e festejas reformas do direito instrumental.

          Segundo a visão de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira,[15]as tutelas cautelar e antecipatória compartilham do mesmo gênero, destinado à prevenção, porquanto adiantam o direito a que a parte usualmente estaria fadada a aguardar o exaurimento da cognição probatória. No entanto, quando a Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, introduziu a possibilidade de tutela antecipada dos efeitos pretendidos no pedido judicial, uma vez presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação.

         É a possibilidade de buscar provimento prefacial no corpo do próprio processo principal, indiferente à cautelar antecipatória ou incidental e distante dos limites e dos percalços probatórios do processo sumário da antiga ação alimentar.

         O emprego da tutela antecipada no terreno do direito alimentar veio trazer mudanças significativas na concessão liminar de alimentos vindicados em ação unitária que poderia ser nominada meramente, como ação ordinária de alimentos com tutela antecipatória, quanto uma demanda de separação judicial, divórcio, dissolução de união estável ou mesmo de guarda de filhos, todas integradas de um pedido cumulativo ou incidental de adiantamento do crédito alimentar através da judicial tutela antecipada.

5. O caminho inverso da revisão dos alimentos.

         No espectro da revisão dos alimentos ficam inseridas as hipótese de majoração, redução e extinção da pensão alimentícia previamente arbitrada por precedente acordo, despacho ordenatório ou decisão judicial, sempre que houver alguma modificação na necessidade do destinatário dos alimentos ou nas possibilidades do alimentante, conforme artigo 1.699 do Código Civil de 2.002 (Lei nº10.406). Para Basílio de Oliveira[16] a denominação revisão de alimentos deve ser reservada para as hipóteses de aumento ou de diminuição da pensão e a ação de exoneração é expressão indicada para definir a extinção da obrigação alimentar.

         De qualquer modo, tanto como existe o interesse no provimento liminar do arbitramento inicial do crédito alimentício, também perdura o propósito revisional ou exoneratório da obrigação ou do dever alimentar do ponto de vista de quem está obrigado a prestar os alimentos. Deve ser lembrado que os alimentos embora transitem até formal e materialmente em julgado, sempre podem ser revistos quando presente nova realidade financeira de quem paga ou mesmo de quem recebe a pensão alimentícia.[17]

         E se o maior tormento do jurisdicionado é precisar aguardar em longo compasso de espera o provimento final da tutela jurisdicional, esta natural ansiedade se faz muito mais contundente quando a demanda vindica o vital crédito alimentar ou a rediscussão judicial de seu montante e até de sua exoneração processual. Isto porque, de um lado figura o destinatário da pensão que almeja majorá-la para poder fazer frente ao custo real de sua digna sobrevivência, enquanto desponta no outro extremo o devedor desta mesma pensão, interessado em conectar a obrigação alimentar com a sua efetiva potencialidade financeira em equilíbrio com as reais necessidades do alimentário.

         Para os contendores que em juízo disputam a prestação alimentícia é fundamental a celeridade do provimento judicial, tanto para fixar como para revisar e até extinguir a obrigação alimentar, que pode ser fonte de transitórias injustiças ao onerar o alimentando com a redução liminar e até a exoneração e o alimentante com o excesso na majoração incidental do valor originariamente arbitrado para garantir o sagrado direito alimentar.

         Assim sendo, a decisão liminar advinda da revisão através de uma cautelar provisional e incidental ou mesmo em tutela antecipada, trará, obrigatoriamente, diferentes reflexos no resultado final da ação de revisão alimentar prevista pelo artigo 13 e respectivos parágrafos, da Lei dos Alimentos de 1968 (Lei n.5.478).

6. Dos efeitos da apelação nos alimentos.

         Prescreve o artigo 14 da Lei n.5.478/68, que da sentença de alimentos cabe a apelação no efeito devolutivo, como de igual estatui o artigo 520, inciso II, deva ser recebida no efeito meramente devolutivo a apelação interposta de sentença que condenar à prestação de alimentos. De acordo com Yussef Said Cahali:[18] "quando a ação de alimentos é julgada improcedente, a sentença não é condenatória de prestação alimentícia, e neste caso a apelação interposta será recebida em ambos os efeitos, segundo a regra geral do art.520,caput, do CPC; o recurso terá efeito meramente devolutivo apenas quando se tratar de sentença condenatória de alimentos."

         Ao que tudo indica, em sede de alimentos deve, em princípio, prevalecer a finalidade protetiva ao alimentando,[19] ensejando e sempre, o efeito apenas devolutivo sobre a decisão judicial que condenar ao pagamento de alimentos, valendo o duplo efeito incidente sobre a apelação apenas quando a sentença não arbitrar alimentos, permitindo deste modo a permanência dos alimentos liminares (provisórios, provisionais ou concedidos em tutela antecipada), até o final trânsito em julgado do recurso de apelação.

         Importante lembrar que em torno do recurso especial ao STJ e o extraordinário endereçado ao STF seguem sendo aplicadas as regras de suspensividade da sentença, em sintonia  com o § 3º, do artigo 13 da Lei dos Alimentos, ao passo que para a decisão cautelar vale evocar o contido na parte final do artigo 807  do CPC, quando explicita que as medidas cautelares podem ser revogadas ou modificadas a qualquer tempo.

7. A relativização do efeito suspensivo.

         O rigor contido na regra de proteção ao alimentário e que implica na aplicação processual do efeito meramente devolutivo ao recurso interposto nas demandas de alimentos, salvo quando houver sentença denegatória dos alimentos, deve ser visto com muito mais complacência e merece ceder espaço quando ainda está no campo da mera cognição sumária.

         Vale recordar para início de argumentação, a distinção jurídica decorrente do pedido de alimentos chamados provisórios e fundados na Lei n. 5.478/68, dos alimentos cautelares denominados de provisionais e decorrentes do artigo 852 do CPC, afora a pensão alimentar surgida da antecipação de tutela.

         Conforme prescreve Yussef Said Cahali:[20]  " E são casos de alimentos provisórios a serem concedidos, a teor do art. 4º da Lei 5.478/68, ao ser despachada a inicial ou posteriormente no curso do processo, em ações alimentares típicas depois de cessada a convivência conjugal( de fato ou de direito, pela separação judicial ou pelo divórcio); e nas ações de alimentos ajuizadas pelos filhos ou pelos parentes beneficiários.

         Tratando-se de alimentos provisionais, a sua concessão sujeita-se aos pressupostos das medidas cautelares específicas do Código de Processo Civil: fumus boni juris e periculum in mora; dispondo o art. 854 que, "na petição inicial, exporá o requerente as suas necessidades e as possibilidades do alimentante", e acrescentado o parágrafo único que "o requerente poderá pedir que o juiz, ao despachar a petição inicial e sem audiência do requerido, lhe arbitre desde logo uma mensalidade para mantença."

         Sendo os alimentos concedidos com fundamento na lei alimentar, como provisórios ou como provisionais em caráter cautelar, na primeira hipótese serão devidos até a decisão final, inclusive o julgamento do recurso extraordinário, subsistindo a sua eficácia ainda que a sentença tenha reduzido o valor alimentar fixado em decisão liminar. A mesma conclusão não pode no entanto, ser estendida aos alimentos provisionais que sofrem com a sentença judicial uma redução do valor arbitrado em provimento liminar, principalmente quando observada a função retroativa da sentença alimentar, disposta no § 2º, do artigo 13º, da Lei n. 5.478/68 ao dispor que, "em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação."

         E se os alimentos retroagem em qualquer caso à data da citação, como bem lembra Yussef Said Cahali,[21] "o alimentante deverá responder pelas diferenças entre os alimentos pagos a menor e aqueles fixados em quantia maior, quando melhor dimensionados os pressupostos do binômio possibilidade-necessidade; não se exclui, porém, aqui, por eqüidade e em função das circunstâncias do caso concreto, que diverso critério seja observado, que os alimentos definitivos majorados só sejam devidos a partir da sentença final." E arremata Cahali:[22] "Por idêntica razão, ocorrendo a redução da pensão pela sentença definitiva, o melhor entendimento orienta-se no sentido de que, uma vez reduzida a pensão provisional (cautelar ou provisória), a redução prevalece desde a data da sentença contra a qual houve apelação com efeito apenas devolutivo: como os alimentos provisoriamente fixados podem ser revistos a qualquer tempo e como, "em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação", também aqui a sentença opera a substituição ex tunc dos alimentos provisionais ou provisórios pelos definitivos, ressalvada apenas a irrepetibilidade daquilo que já tiver sido pago pelo devedor..."

         E isso porque não há como impor ao alimentante que restou vencedor com a prolatação de sentença judicial que reduziu a verba alimentar liminar, mesmo que pendente de recurso, a obrigação de continuar pagando alimentos à parte vencida, no patamar em que fixados em sumário plano processual e que cederam lugar para os alimentos definitivos, eis que os provisórios a própria sentença reconheceu serem indevidos naquele montante inicial.

         Projetando para o plano prático, alimentos provisionais de quinze salários mínimos que são reduzidos no momento da sentença para dois salários mínimos, exaurida a cognição probatória, não podem ser judicialmente exigidos e inclusive em sede de execução, quando a sentença mesmo não transitada em julgado, já reconheceu que o alimentante não podia pagar essa quantia elevada e quando também foi verificado que era excessivo o valor provisionalmente arbitrado.

8. O princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

         O Superior Tribunal de Justiça e respeitável jurisprudência dos tribunais brasileiros têm afirmado que mesmo quando superveniente sentença favorável ao alimentante, reduzindo o valor dos alimentos provisionais, não lhe afeta o direito de executar as prestações vencidas e não pagas, porque do contrário, os devedores seriam incentivados ao descumprimento da obrigação alimentar antecipada por despacho proferido no intercurso da lide.[23]

         Este também foi o entendimento unânime da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível nº 70002642460,[24] sustentando que os "alimentos fixados no acórdão dispõe de efeito retroativo, vindo a alcançar o ato citatório. Seja  porque o inciso II do art. 520 do CPC concede efeito singular ao recurso de decisão que fixa alimentos ou porque o § 3º do art. 13 da Lei de Alimentos, modo expresso, diz que os alimentos são devidos até a decisão final. "Tudo porque não se poderia premiar o inadimplemento do devedor, como referiu de igual o STJ, porquanto os devedores seriam incentivados ao descumprimento da pensão, aguardando o desfecho do processo principal.

9. A eqüidade processual do direito alimentar.

         Salvo melhor juízo, maior razão não prevalece ao entendimento suso vertido de que os alimentos provisórios, mesmo quando reduzidos em ato sentencial à vista do excesso de sua liminar fixação, ainda assim deverão ser pagos na sua quantificação original, para não servir de incentivo ao seu descumprimento, no aguardo do desfecho do processo. Começa que usualmente os alimentos quando arbitrados provisionalmente em excesso, já não são pagos porque extrapolam as possibilidades do alimentante, assim como extrapolam as necessidades do alimentando e atiçam o sentimento de completa inconformidade do devedor, pois é cediço que os alimentos provisionais fixados em cognição sumária podem ser alterados no transcorrer do processo.

         Tratando-se de alimentos provisórios concedidos com fundamento no art. 4º da Lei n. 5.478/68, serão devidos até a decisão final, inclusive o julgamento do recurso extraordinário que pode, antes, depender do recurso especial.

         Tratando-se de alimentos provisionais e de cunho cautelar, podendo ser revogadas ou modificadas a qualquer tempo, sendo contudo imperioso prescrever que tanto se trate de uma modalidade alimentar ou de outro ritual, em qualquer hipótese pode ser promovida a revisão incidental do crédito alimentar inicialmente despachado.

         Sucedendo a majoração da pensão pela sentença final, como os alimentos retrocedem à data da citação, acabam substituindo os valores concedidos em liminar, cometendo ao devedor responder pelas diferenças levantadas entre os valores pagos no curso da lide em caráter liminar e os valores determinados na sentença meritória.

         Aqui prevalece o interesse natural do credor em receber exatamente o valor alimentar coerente com o binômio da possibilidade e da necessidade e assim reconhecido e quantificado na sentença. Já por seu turno, sucedendo a redução da pensão provisional na sentença, esta redução deve prevalecer desde a data da sentença e com efeito retroativo à data da citação.

         É claro que os alimentos provisionais já pagos à maior são irrepetíveis, pois não podem ser reclamados porque a decisão final os considerou excessivos, mas, a contrário senso, também não podem ser executados os alimentos que julgados excessivos, foram reduzidos pela sentença judicial, até porque, sendo cautelares ou provisionais, já por este característico deveriam ser havidos como revogados ou modificados, eis que o artigo 807 do CPC informa que os alimentos cautelares podem ser alterados a qualquer tempo.

         No entanto, maior sentido apresenta-se na doutrina de Cahali, quando obtempera com o princípio da eqüidade processual, pois se em função das circunstâncias do caso concreto a pensão liminar majorada na sentença autoriza cobrar as diferenças pagas à menor pelo devedor, do mesmo modo e por idêntica razão, mostra-se justo e coerente não só estancar com a sentença qualquer pagamento à maior, ainda que sobre a decisão monocrática ou colegiada paire algum recurso, como também, não tendo sido paga porventura, alguma das prestações pensionais vincendas conclui Cahali: "também aqui a sentença opera ex tunc dos alimentos provisionais ou provisórios pelos definitivos." [25] 

10. Conclusão.

         Mas, se como diz parcela da jurisprudência, que não pode ser ressalvado o excesso alimentar impago, sob pena de servir de estímulo à voluntária inadimplência, considerando que o devedor deixará de honrar sua obrigação alimentar na esperança de lograr reduzir seu valor, na outra ponta seguirá gritante e insolúvel injustiça, porquanto o alimentante terá de pagar pensão elevadamente quantificada, que uma vez paga, muitas vezes às custas de ingentes esforços, pela venda de bens pessoais ou sob a iminente coação pessoal, porque quitada, será irrepetível, prevalecendo o indesejado enriquecimento sem causa.

         É tal qual assevera mais uma vez Yussef Said Cahali com sua corriqueira acuidade:[26]`"Ainda que existente débito de prestações vencidas, não se faz o cômputo imediato desse débito dia a dia, em função do valor que estaria a prevalecer. Já reduzida a pensão alimentícia em definitivo, apenas as prestações já quitadas se sujeitarão à prevalência do valor fixado a título de  alimentos provisórios."

         A verdade é que os alimentos liminarmente fixados e porque sempre retrocedem à data da citação e uma vez pagos são irrepetíveis, sujeitam o devedor que é vitorioso com a sentença de redução dos provisionais, a não ver restituídos os valores pagos em excesso, diante da natureza irrepetível da pensão, prevalecendo o enriquecimento sem causa daquele que credor de uma quantia mensal menor, durante o trâmite da demanda teve os alimentos provisionais fixados em valor superior ao realmente devido e julgado em sentença.

         E se de um lado assiste razão à parcela da jurisprudência, inclusive a do Superior Tribunal de Justiça quando argumenta que a ressalva do excesso pode incentivar a inadimplência, configurando uma premiação ao mau pagador, de outra parte, a cobrança indistinta de crédito alimentar mais elevado, não deixa de configurar uma natural motivação à procrastinação do processo e, sobretudo, a consecução processual de enriquecimentos injustos e movidos em juízo executório com a ameaça da prisão.

         Ora, existindo forte probabilidade da pensão vir a ser reduzida com a sentença ou mesmo em decisão interlocutória incidental, nada mais justo do que o decisor permitir que o alimentante deposite em Juízo a diferença entre os provisórios por ele arbitrados e o valor alimentar postulado em contestação, porque, admitida a possibilidade do quantum da pensão provisória, o depósito em carteira de poupança destas diferenças fica em harmonia com o princípio cautelar da revogabilidade da pensão provisional, até que o decisor vença a fase perfunctória e defina o valor definitivo do vínculo alimentar, impedindo execuções coativas por valores provisórios; o enriquecimento ilícito e até esvaziando a voluntária inadimplência, pois assim como o credor não quer receber menos do que a sentença final lhe outorgou de alimentos, também o devedor não quer pagar mais do que esta mesma sentença definitiva lhe impôs ao cabo da instrução processual da ação de alimentos.

                                     

BIBLIOGRAFIA

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VIANA, Marco Aurelio S. . Alimentos, ação de investigação de paternidade e maternidade, Del     Rey: Belo Horizonte, 1998.


 


* Advogado e Professor de Direito de Família. Primeiro secretário nacional do IBDFAM. Juiz eleitoral do TRE/RS. Autor dos livros Direito de Família, aspectos polêmicos, A disregard e sua efetivação no juízo de família e Novas perspectivas no Direito de Família, todos da Editora Livraria do Advogado.

[1] VIANA, Marco Aurelio S. . Alimentos, ação de investigação de paternidade e maternidade, Del Rey: Belo Horizonte, 1998, p.102.

[2] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família, AIDE: Rio de Janeiro, 1994, 1ª ed., vol. II, p.669.

[3] Idem, ob. cit., p.670.

[4] LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória, RT: São Paulo, 2.000, pp.171-172.

[5] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, RT: São Paulo, 4ª ed., 2.000, p.20.

[6] OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A tutela cautelar antecipatória e os alimentos initio litis, Revista de Processo, nº 49, RT: São Paulo, p.93.

[7] LOPES, João Batista. Medidas liminares no Direito de Família, In liminares, coordenado por Teresa Arruda Alvim Wambier, RT: São Paulo, p.62. Diferentemente é a idéia trazida por Arnaldo Rizzardo, Direito de Família, AIDE, ob. cit., vol. II, p.750, quando assevera que os vocábulos alimentos provisionais e alimentos provisórios " guardam uma sinonímia quase perfeita, não tendo maior diferença prática a utilização de uma e outra expressão. "

[8] OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A tutela cautelar antecipatória..., ob. cit., p.99.

[9] VIANA, Marco Aurelio S. . Alimentos, ação de investigação..., ob. cit., p.173.

[10] LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões..., ob. cit., p.168.

[11] BIRCHAL, Alice de Souza. Tutelas urgentes de família no Código de Processo Civil, sistematização e exegese, Del Rey: Belo Horizonte, 2.000, p.75.

[12] BIRCHAL, Alice de Souza. Ob. cit., p.76.

[13] LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões..., ob. cit., p.169.

[14] OLIVEIRA, Flávio Luís de. A antecipação da tutela dos alimentos provisórios e provisionais cumulados à ação de investigação de paternidade, Malheiros: São Paulo, 1999, p. 20.

[15] OLIVEIRA, Carlos Alvaro de. A tutela de urgência e o Direito de Família, Saraiva, São Paulo, 1998, p.27.

[16] OLIVEIRA, Basílio. Alimentos: Revisão e exoneração, de acordo com a Constituição Federal de 1988, BVZ, Rio de Janeiro: 1993, p.61.

[17] Há controvérsia acerca do princípio da coisa julgada na ação de alimentos, figurando dentre os que lhe dão existência doutrinária Adroaldo Furtado Fabrício, A coisa julgada nas ações de alimentos, Revista Ajuris, 52/28 e em posicionamento contrário, também dentre outros, José Orlando Rocha de Carvalho, Alimentos e coisa julgada, Editora Oliveira Mendes, São Paulo: 1998.

[18] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, RT: São Paulo, 2.002, 4ª ed., p. 822.

[19] Nesta direção o aresto unânime da 7ª CC do TJRS n. 70002977809, de 27.02.2002, sendo relator o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves: " Embargos do devedor. Execução de alimentos. Apelação em ação de majoração. Efeito meramente devolutivo. Abatimento de valores. Litigância de má-fé. 1. Constitui regra elementar de hermenêutica a de que as exceções não comportam interpretação extensiva nem analógica, mas é imperioso seu exame teleológico. Aplica-se para a decisão que majora os alimentos a exceção prevista no art.520, inc. II do Código de Processo Civil, cuja finalidade é claramente protetiva ao alimentando. Incidência do art. 13, § 2º, da Lei nº 5.478/68. 2. Descabe abatimento de valores pagos anteriormente ao acordo entabulado pelas partes no saldo devedor. 3. Se a parte não falta com o dever de lealdade processual, questionando incidência de disposição legal com argumentos jurídicos plausíveis e buscando reduzir o saldo devedor mediante prova razoável, procurando interpretação que lhe é favorável em cláusula de acordo firmado anteriormente, cumpre afastar a averbação de litigância de má-fé e seus consectários. Recurso provido em parte."

[20] CAHALI, Yussef Said. ob. cit., p.851.

[21] Idem. ob. cit., pp.872-873.

[22] Ibidem, p.873.

[23] Esta é a orientação da 4ª Turma do STJ, sendo rel. o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em aresto datado de 13.06.1994, Julgados do STJ 47/45 e referido por Yussef Said Cahali, ob. cit., p.886, nota 107.

[24] Com esta ementa relatada pela Desa. Maria Berenice Dias, em 27 de junho de 2.001: "ALIMENTOS PROVISÓRIOS. EXECUÇÃO. Cabível a execução dos alimentos provisórios, pois a decisão que os arbitra configura título executivo judicial. O valor dos alimentos fixados provisoriamente vigora até a data da decisão que os reduziu, ainda que a decisão esteja sujeita a recurso. APELO IMPROVIDO."

[25] CAHALI, Yussef Said. ob. cit., p.873.

[26] Idem, ob. cit., pp.875-876.