O Novo Direito Sucessório Brasileiro

Autores: Rolf Madaleno

                                                                            Rolf Madaleno*

                                                            

 Sumário

1.Sua desconexão com a Constituição Federal de 1988. 2. Inovações no Direito das Sucessões. 2.1. A extinção do usufruto vidual. 2.1.1. O direito de usufruto da companheira. 3. A sucessão no regime de participação final dos aqüestos.  4. Concorrência sucessória do cônjuge. 4.1. Concorrência sucessória do cônjuge com os descendentes.4.2. Concorrência sucessória do cônjuge com os ascendentes. 4.3. O direito real de habitação do cônjuge. 4.4. Ausência de descendentes ou ascendentes. 4.5. Separação judicial ou divórcio. 4.6. Separação de fato e vocação sucessória do cônjuge. 5. Outras novidades no direito sucessório brasileiro. 5.1. Novidades na sucessão testamentária. 5.2. Nomeação da concubina do testador casado. 6. Bibliografia.

1. Sua desconexão com a Constituição Federal de 1988.

Muito argumenta-se que a atual fisionomia do Código Civil teria surgido de uma configuração que não se descuidara das importantes alterações decorrentes do sistema jurídico da Constituição Federal de 1988 e que o Código Civil passaria a deter um aspecto menos patriarcalista e individualista, para se apresentar mais jurídico e com um cunho mais social[1]

Estes mesmos autores aplaudem o empenho mostrado pelo legislador para atualizar o projeto do Código, já aprovado como novo Código Civil, com vigência programada e que teria encampado os princípios básicos de igualdade das pessoas e da diversidade do conjunto familiar, ampliando os modos de sua formação. Pensam haver incorporado ao texto do código as modificações havidas por força dos novos diplomas legais e em especial, as inovações decorrentes da Constituição Federal de 1988, as da Lei do Divórcio, da União Estável e dos meios de reconhecimento dos filhos.[2]

Contudo, basta percorrer o livro respeitante ao direito sucessório para constatar que o legislador andou de certo modo, na contramão da evolução histórica do direito familista e, por conseqüência, dos seus reflexos no plano da sucessão por causa da morte.

É fato que o novo Código Civil acolheu a construção jurisprudencial que há muito deixou de descartar a deserdação da filha por suposta desonestidade aos seus pais, desvencilhando-se o legislador do velho ranço de controle moral da sexualidade da descendente mulher. Assim como exclui a declaração judicial de ausência pela morte presumida, se for extremamente provável a morte; ou se desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Desse modo o legislador foi hábil em reduzir quase duas décadas de letárgica espera processual, para que a sucessão presumida fosse judicialmente tornada definitiva e para que só então os herdeiros pudessem se tornar titulares do irreversível domínio da herança.

Mas essas pequenas cirurgias no direito sucessório e outras mudanças verificadas também no aspecto interno ou externo dos testamentos, não obstante a sua relevância, não foram plásticas capazes de alcançar o clamor e a admiração da sociedade jurídica, porquanto, na sua configuração mais significativa, o novo Código Civil ficou desconectado da Carta Política de 1988. 

2. Inovações no Direito das Sucessões.

            Muda a ordem de vocação hereditária prevista atualmente pelo artigo 1.603 do Código Civil, para ceder em breve, passado o período de vacância, lugar para o artigo 1.829 do novo Código Civil que assim avoca os herdeiros:

            I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado no regime de comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se no regime da comunhão parcial, o autor não houver deixados bens particulares;

            II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

            III- ao cônjuge sobrevivente;

            IV- aos colaterais.

E por seu turno o artigo 1.830 do novo Código Civil estabelece que o direito sucessório só será deferido ao cônjuge supérstite, se ele não estava judicialmente separado, ou separado de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. Portanto, restam expostos os requisitos legais que avocam na nova ordem sucessória o cônjuge supérstite como herdeiro necessário.

O novo direito sucessório inclui como herdeiro necessário o cônjuge sobrevivente, mas em concurso com os descendentes, menos no regime da comunhão universal de bens e também o exclui no regime da separação obrigatória de bens,  contrariando a consagrada súmula número 377 do STF e por fim, silencia sobre o novo regime da participação final dos aqüestos.

Em realidade, a concorrência do cônjuge na sucessão como herdeiro necessário só se dá na comunhão parcial e se houver bens particulares do sucedido, pois os bens comunicáveis já são repartidos por conseqüência da meação. Ou seja, só existe direito sucessório do cônjuge sobrevivente sobre os bens particulares do consorte morto e se o regime não foi o da total separação de bens. Difere a olhos vistos, do tratamento sucessório destinado aos unidos estavelmente, conforme artigo apartado e que não inclui a concubina ou o concubino viúvo na ordem de vocação hereditária do art. 1.829 do novo Código Civil.

Estranhamente, o tratamento sucessório reservado aos unidos estavelmente, destoa dos mais conhecidos primados constitucionais, pois o novo Código Civil não chega realmente a considerar a união estável como forma legítima de constituição de família. E assim age na prática o novo Código Civil quando deixa de absorver no campo sucessório a relação de simetria entre o casamento e a união estável.

Existisse essa igualdade já observada pela legislação brasileira desde 1988 e a companheira viúva ou o companheiro sobrevivente estariam inquestionavelmente arrolados na ordem de vocação sucessória do art. 1.829 do novo Código Civil, no mesmo patamar de vocação sucessória do seu inciso primeiro, dedicado ao cônjuge de justas núpcias que ficou viúvo.

Mas, ao contrário, o companheiro ou a companheira foram lembrados às pressas no novel Código Civil e com escassez, quando trata da sucessão em geral, lá no art. 1.790, a dizer que participarão na sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.

Perceba-se portanto, o tratamento diferenciado entre o cônjuge viúvo e a companheira sobrevivente, quando para a esposa supérstite, sendo o regime da comunhão parcial, ela recebe por direito de meação os bens comunicáveis e por direito de herança mais uma quota parte igual a dos descendentes, tornando-se todos herdeiros necessários dos bens particulares ou incomunicáveis do esposo falecido.

Já a companheira ficando viúva, recebe pela dissolução natural da sua união e por disposição da legislação pertinente ao concubinato, a meação dos aqüestos, que são os bens adquiridos a título oneroso durante a união estável e em contrapartida só terá direito hereditário sobre os bens adquiridos na vigência da união estável, mas nada herdando com relação aos bens particulares do sucedido. Sua cota hereditária fica limitada à meação dos aqüestos do autor da herança, recebendo cota igual dos aqüestos se concorrer com filhos comuns e a metade dos aqüestos se concorrer com descendentes só do falecido. Qual seja, recebe pelo concubinato a sua meação e recebe por herança uma cota igual a dos filhos comuns, ou a metade do que receberiam os filhos só do sucedido.

Nada irá receber sobre os bens particulares do de cujus, ao contrário da esposa viúva que justamente herdará quinhão incidente sobre os bens incomunicáveis.

Flagrante o tratamento distorcivo e discriminatório, porquanto, na atualidade, a Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, a primeira das duas leis concubinárias e que regula exatamente o direito dos companheiros à sucessão, estabelece no seu artigo 2º, inciso III, que o companheiro tem direito à totalidade da herança na falta de herdeiros necessários.

Ora, se o legislador acha injusto que uma viúva receba bens que não ajudou a construir, que então também retire da sucessão dos aprestos a esposa legítima.

A concubina ou o concubino viúvo, também perdeu espaço por herdar um terço da herança se concorrer com outros parentes sucessíveis, entenda-se, ascendentes ou colaterais, enquanto na atualidade, se ausentes herdeiros necessários, a concubina herda a totalidade da herança e afasta da vocação hereditária os colaterais. Pelo texto aprovado, os herdeiros colaterais ficam com 2/3 da herança, e a companheira viúva a terça parte restante.

Não custa lembrar que, em se tratando de viuvez conjugal fica mantida a regra do cônjuge sobrevivente afastar os colaterais, o que não acontece na viúvez concubinária.

Ora, tendo sido exatamente um dos mérito da Constituição Federal de 88 contemplar outras formas de união, conferindo status de família para as uniões estáveis, causa espécie e perplexo deparar com normas de flagrante discriminação, privilegiando o casamento civil em detrimento da união informal.

Não bastasse isso tudo, a nova codificação civil também está suprimindo conquistas concubinárias pertinentes ao direito real de habitação e o usufruto vidual.

Por sinal, o usufruto vidual se fosse mantido, só deveria recair e assim também para o casamento, sobre os bens adquiridos durante a convivência afetiva formal ou informal e não sobre os bens aprestos, onerando os herdeiros com vínculos de pura ficção

2.1. A extinção do usufruto vidual.

A inclusão do cônjuge viúvo ou da companheira supérstite na classe dos herdeiros necessários extingue o polêmico direito ao usufruto vidual, trazido para o sistema jurídico brasileiro com o Estatuto da Mulher Casada em 1962.

Previsto no artigo 1.611 do vigente Código Civil e no artigo 2º da  Lei Concubinária nº 8.971/94, o usufruto vidual assegura, enquanto durar a viuvez, o usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos e metade se não houver filhos.

Não é preciso muito esforço para detectar a fileira de problemas causados pela concessão judicial indistinta do usufruto vidual. Começa que bloqueia a livre disposição dos bens herdados, que ficam presos pelo usufruto que se estende sobre a generalidade dos bens deixados de herança.

Sempre foi muito discutido o caráter alimentar do usufruto vidual, permitindo sua dispensa quando o viúvo recebesse bens considerados suficientes para garantir a sua subsistência  pessoal.

Discutiu-se a possibilidade de concentração do usufruto num único ou em bens certos, previamente definidos, de modo a não causar o usual embaraço dos herdeiros que vêem seus bens hereditários vitaliciamente vinculados ao cônjuge credor do usufruto vidual.

E principalmente, discutiu-se a completa irracionalidade de estender o usufruto vidual a bens que não tivessem a sua aquisição ligada ao casamento ou à união estável, gerando imensuráveis prejuízos e incontáveis injustiças, criadas de breve relações de concubinato de poucas luas e poucos bens, mas que conferiam à companheira viúva o usufruto sobre toda a herança do falecido, incidindo sobre bens que não foram adquiridos na constância da união. Tem sido causados constrangimentos para os descendentes que devem por lei, garantir o usufruto para o cônjuge ou concubino sobrevivente, muito embora os bens tivessem sido adquiridos antes da união, talvez pela primeira esposa do sucedido e talvez genitora dos herdeiros descendentes, constrangidos a garantirem o usufruto da segunda mulher de seu pai.

Para tranqüilidade dos operadores do direito sucessório, o novo Código Civil acertadamente, mantém apenas o direito real de habitação e extirpa o usufruto vidual que se compensa com a inclusão do supérstite na ordem necessária de vocação hereditária.

2.1.2.  O direito de usufruto da companheira.

Mais uma vez resta discriminada a relação afetiva oriunda da união estável que perde sensível espaço no campo dos direitos que já haviam sido conquistados após o advento da Carta Política de 1988. Em nada sendo modificada a atual redação do novo Código Civil e será tarefa pertinaz da jurisprudência corrigir estas flagrantes distorções deixadas pelo legislador responsável pela futura codificação civil. Não foi por falta de aviso, pois já observara José Francisco Cahali com seu aguçado conhecimento do direito brasileiro, que o então projeto nada falava sobre o direito real de habitação em favor do companheiro sobrevivente, previsto no parágrafo único do art. 7º da Lei 9.278/96.[3]

Para Cahali e está coberto de razão, o interprete irá considerar vigente a disposição do artigo 7º da Lei 9.278/96, por não ser contrário ao novo texto, embora o novo texto pudesse ser coerente com a legislação e em especial com a Constituição Federal que abrigou a entidade familiar nascida da informalidade afetiva, desde que guardasse características de uma estável união. Como dito, melhor seria revogá-la e equiparar os direitos sucessórios dos companheiros aos direitos sucessórios dos cônjuges, sem nenhuma dissimetria.

3. A sucessão no regime de participação final dos aqüestos.

Já referi que a literatura brasileira pouco ainda tem a oferecer a despeito desse novo regime patrimonial chamado de participação final nos aqüestos, e que ocupa o vazio deixado pelo petrificado regime dotal do Código Civil de 1916.[4] Trata-se em verdade, de um regime de separação de bens onde cada consorte tem a livre e independente administração do seu patrimônio pessoal, dele podendo dispor livremente. Apenas na hipótese de ocorrer a separação judicial é que serão apurados os bens de cada cônjuge separando, tocando a cada um deles a metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso na constância do casamento.[5]

Como pode ser facilmente conferido, nem ao largo e por lembrança, o art. 1.829 do novo Código Civil ou qualquer de seus incisos faz qualquer referência ao o novo regime de bens, da participação final nos aqüestos.

A jurisprudência é que cuidará de iluminar os caminhos que se criaram neste escuro trajeto que leva a dar solução aos problemas que inevitavelmente surgirão dos hiatos provocados por uma legislação costurada com retalhos recolhidos de trechos pinçados das relações afetivas dissolvidas pela vontade irreversível da mãe natureza.

O regime da participação final nos aqüestos é na realidade, um contrato patrimonial em estado latente e que cria vida com a separação judicial, para transformar o primitivo regime da total separação de bens, num regime de comunicação dos aqüestos, o equivalente a uma comunhão limitada de bens desencadeada pela separação judicial dos cônjuges.

Na comunhão parcial, o cônjuge casado e que fica viúvo, receberá em concurso hereditário com os descendentes ou ascendentes do sucedido uma quota dos bens particulares do falecido e aparentemente não irá receber nada de herança se o casamento foi realizado pelo regime da participação final de aqüestos, pois dissolvido o casamento pelo evento morte, o regime que era de total separação de bens se transforma em comunhão parcial. Transformando-se em comunhão parcial, são aqüestos todos os bens adquiridos onerosamente durante o  casamento e ingressam na meação, mas não se comunicam no direito sucessório, já que o regime não foi lembrado no art. 1.829, inciso I do novo Código Civil.

Destarte, tudo leva a crer que o cônjuge viúvo recebe só por meação e não por herança e recebe como meação se for entendido que a morte e o divórcio, ao lado da separação judicial, são os fatos que transformam o regime inicial de separação de bens num regime de participação final nos aqüestos.

4. Concorrência sucessória do cônjuge.

Prescreve o artigo 1.845 do novo Código Civil, serem herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Não arrolou o companheiro ou a companheira unidos estavelmente. Aos herdeiros necessários pertence a metade da herança, diz o artigo 1.846, a qual se constitui na porção indisponível e é a sua legítima.

Salvo melhor compreensão, estes dispositivos e mais o artigo 1.823 que reitera a concorrência sucessória do cônjuge com os descendentes, colide com a disposição restritiva do art. 1.829, onde restou definida a ordem de vocação hereditária e excluída a convocação do consorte sobrevivente nos regimes da comunhão universal, na participação final dos aqüestos, no da separação obrigatória ou legal de bens, sendo ignorada nesta última a Súmula nº 377 do STF.[6]

Se bem observado, um vez ignorada a comunhão de bens por força do enunciado 377 do STF, todos os bens seguiriam sendo particulares do cônjuge titular, casado pela separação total. Este regime compulsório da separação legal de bens surge das infrações ao artigo 1.669 do novo Código Civil. Sendo incomunicáveis, o cônjuge sobrevivente perde a meação dos aqüestos e concorre com descendentes ou ascendentes em quinhões iguais (art. 1.832 do novo CC), sobre todo o patrimônio, reduzindo sensivelmente as suas históricas conquistas, num inegável retrocesso constitucional.

É que sobre o tema pertinente à revogação da Súmula 377 do STF, escrevi que manter punição da adoção obrigatória de um regime sem comunicação de bens, porque pessoas casaram sem observarem as vedações dos incisos do art. 1. 641 do novo Código Civil, é ignorar princípios elementares de Direito Constitucional,[7] onde ninguém pode ser discriminado em função do seu sexo ou de sua maior idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil.

Lamentavelmente, a indefinição sucessória que ignora a súmula nº 377 do STF atinge direito cravado na porta da Constituição Federal de 1988, cuja nova tábua de valores prioriza a dignidade da pessoa humana, sepultando injustiças que já haviam sido eliminadas com a sacramentação do enunciado nº  377 do STF, ao ordenar a partilha igualitária dos bens hauridos a título oneroso na constância exclusiva da sociedade conjugal

4.1. Concorrência sucessória do cônjuge com os descendentes.

O tema é inédito para o direito brasileiro, embora já seja amplamente adotado em outras legislações. Sobre a novidade escreve Francisco José Cahali,[8] ser a grande inovação do Código Civil a inclusão do cônjuge na primeira e na segunda classes de preferência, concorrendo com os descendentes e ascendentes na sucessão do falecido e adotando o critério já utilizados em outros países.

A intenção da vocação hereditária do viúvo ou da viúva no novo direito sucessório brasileiro é a de assegurar uma parcela patrimonial sobre os bens particulares do sucedido, o que só poderá ocorrer no regime da comunhão parcial de bens e no regime convencional da total separação de bens

Por fim, ao que tudo indica, por interpretação da futura jurisprudência, também receberá seu quinhão hereditário sobre os bens aprestos do consorte falecido, no casamento realizado sob a égide da participação final nos aqüestos. É que este estranho regime termina identificando-se com a comunhão parcial de bens na ocasião da dissolução do casamento.

Assim que o cônjuge sobrevivente e descendentes herdarão por cabeça, já abstraídas as exceções sucessórias ressalvadas no inciso I, do artigo 1.829 do novo Código Civil.

Deve ser observado que neste complexo regime sucessório do cônjuge como herdeiro necessário a concorrência com os descendentes só se dá sobre aqueles bens que não se comunicam pelo regime matrimonial e que pertencem ao viúvo como sua legítima meação.

4.2. Concorrência sucessória do cônjuge com ascendentes.

Na concorrência do cônjuge com ascendentes, porque ausentes descendentes, diz o artigo 1.836 que o grau mais próximo afasta o mais remoto, ignorando o direito de representação e a divisão se dando por linhas. O artigo 1.837 melhor explica a partilha por linhas, referindo que o cônjuge sobrevivente receberá um terço da herança, enquanto as outras duas terças partes serão divididas entre a linha materna e a linha paterna do sucedido. Receberá a metade se houver um só ascendente, pai ou mãe, avô ou avó, pois o grau de parentesco por mais distanciado, não exclui o ascendente da concorrência com o cônjuge.   

4.3. O direito real de habitação do cônjuge.

           

            Certamente a grande compensação que se dá com a nova posição sucessória do cônjuge, resulta na circunstância de que não mais se defere o usufruto dos bens em favor do cônjuge, mantendo apenas o direito real de habitação previsto expressamente no artigo 1.831, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. Esta a grande mudança, porquanto o cônjuge sobrevivente perdeu o complicado usufruto vidual mas recebeu por direito de herança e por cabeça, uma quota hereditária igual a dos descendentes, ao lado dos quais tornou-se co-herdeira necessária.

4.4. Ausência de descendentes ou ascendentes.

Se não existirem descendentes ou ascendentes por ocasião da abertura da sucessão, herda o cônjuge supérstite, excluindo a todos os parentes colaterais, nos termos do artigo 1.838 do novo Código Civil.[9]

4.5. Separação judicial ou divórcio.

É pressuposto inequívoco de reconhecimento da sucessão hereditária do cônjuge supérstite, que ele estivesse legalmente casado ao tempo da morte do outro. Em caso de separação judicial ou de divórcio, o ex-cônjuge carece de vocação hereditária.

Mendez Costa, citada por Lidia B. Hernández e Luiz A. Ugarte[10] considera que poderia ser mantida a condição de inventariante do cônjuge sobrevivente enquanto não tivesse sido liquidada a sociedade conjugal, pois pendente processo separatório ou de partilha, legitimando a intervenção da viúva ou do viúvo no processo sucessório na condição de inventariante. A sugestão ingressa meramente no campo processual, já estando sedimentado na consciência jurisprudencial e doutrinária brasileira que só mesmo a convivência pode dar estofo moral e legal à regra da comunicação e da administração dos bens.

4.6. Separação de fato e vocação sucessória do cônjuge.

Ordena o artigo 1.830 do novo Código Civil, que somente será reconhecido o direito sucessório do cônjuge sobrevivente, se ele não estivesse separado de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência ser tornara impossível e sem culpa do sobrevivente.

Terreno arenoso onde ingressa o legislador em razão da nova codificação civil e que se apresenta altamente polêmico, quando confrontado com a torrente interpretação jurisprudencial que consagra efeitos jurídicos à fática separação.

Referi noutro texto jurídico,[11] que a doutrina e a jurisprudência repartiam valioso espaço destinado a concluir se a separação de fato do casal acarretava a extinção automática do regime de bens, ou se de acordo com o vigente art. 3º da Lei de Divórcio, seriam só a separação judicial e o divórcio, os decretos judiciais capazes de pôr termo final ao regime de bens.

Contudo, acerto final tocou à jurisprudência majoritária e à doutrina dominantes, ao concluírem que o passar do tempo gera para os cônjuges o direito de postular a decretação judicial de ruptura do casamento, afastando inclusive, a pesquisa da culpa se existente um ano de fática separação.

E se a ausência de voluntária coabitação é capaz de desfigurar a noção superada de comunicação dos bens conjugais, estando pacificada a compreensão de que só mesmo a convivência conjugal numa habitação co-partida é que justifica e autoriza a repartição dos bens, e que não faz mais qualquer sentido seguir manipulando injustas ilusões de postergar na ficção do tempo o que os cônjuges já encerraram no plano fática de suas relações.

Corpos e espíritos separados não podem gerar comunicação patrimonial fundada apenas no registro meramente cartorial do casamento. Mola-mestra da comunicação dos bens é a convivência conjugal, sendo que a simples separação de fato desativa o regime patrimonial.

Portanto, não faz sentido que o novo Código Civil reclame ainda dois longos anos de fatual separação (art. 1.830 do novo Código Civil), para só depois deste lapso de tempo afastar da sucessão o cônjuge sobrevivente. Ora, se não sobreviveu o casamento no plano fático, não há nexo em estendê-lo por dois anos no plano jurídico, apenas porque não foi tomada a iniciativa da separação judicial ou do divórcio. 

Suprimida a vida em comum, este é o marco da incomunicabilidade dos bens e da exclusão da vocação hereditária do cônjuge que ficou viúvo tão somente no plano formal.

Não mais pode interessar ao direito, como em retrocesso faz o artigo 1.830 do novo Código Civil, tentar demonstrar que o sobrevivente não foi culpado pela separação de fato. Importa o fato da separação e não a sua causa, pois a autoria culposa não refaz os vínculos e nem restaura a coabitação, mote exclusivo da hígida comunicação de bens. A prova judicial de o cônjuge sobrevivente haver sido inocentemente abandonado pelo autor da herança ou sair pesquisando qualquer causa subjetiva da separação fatual, para caçar culpa de uma decisão unilateral, é mais uma vez, andar na contramão do direito familista brasileiro que desde a Lei do Divórcio e 1977 já havia vencido estes ranços culturais.

E também não faz o menor sentido manter a causa objetiva da separação de fato, fixando em dois anos o marco final da precedente comunicação de bens, porque prossegue o arranjo de forçar efeitos jurídicos patrimoniais para casamentos já desfeitos de corpo e de espírito.

Seremos todos testemunhas de que vidas afetivas desfeitas serão artificialmente prolongadas em juízo, para que os processos não excluam a esperança de herdar de um sogro ou de uma sogra moribunda. Sem considerar que inventários não comportam instrução processual, obrigando herdeiros e meeiros a sustarem o inventário e litigarem em processo apartado e conexo, a inocência ou a culpa do defunto pela fática separação, a quem já haviam rendido as derradeiras homenagens e desejado que descansasse em paz.

5. Outras inovações no novo direito sucessório brasileiro.

Dentre os temas mais controvertidos, o novo Código Civil brasileiro respalda uma praxe jurisprudencial que paulatinamente foi consagrando a anulação de gravames testamentários.

 Faço especial referência ao artigo 1.848 do novo Código Civil, que só autoriza gravar legítimas com cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade se houver expressa justa causa, declarada no testamento. E não adianta gravar com só uma cláusula, porque esta única puxa, obrigatoriamente, os demais gravames.

Isto por sinal e como novidade recolhida da doutrina nacional, agora vem textualmente escrito no artigo 1.191 do novo Código Civil.[12] E por justa causa se terá prioritariamente, aquelas situações onde o herdeiro necessário é dado à prodigalidade ou, guarda recordes de péssima administração patrimonial. Fora natureza dessa envergadura, o simples gravame da legítima passa a importar num arbitrário ato de sucessão e numa inaceitável fórmula de impedir a livre e almejada circulação dos bens.

5.1. Novidades na sucessão testamentária.

A sucessão testamentária vem brindada com o testamento especial aeronáutico, o que seria inimaginável em 1916; além de reduzir para dois o número de testemunhas testamentárias nos testamentos públicos e cerrado e três testemunhas para o particular, além de facultar a feitura do testamento por redação mecânica.

5.2. Nomeação da concubina do testador casado.

Prescreve por fim e por nota digna de destaque, o inciso III do artigo 1.801 do novo Código Civil, que não pode ser nomeado em testamento, como herdeira ou legatária, a concubina do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos.

É outra disposição que anda na contramão do direito familista brasileiro, na medida em que doutrina e a jurisprudência vêm consagrando maciçamente, a separação de fato como marco final da comunicação de bens conjugais. E, por evidente, iniciada na separação de fato uma nova e fática união, esta relação torna-se igualmente pura, não podendo ser considerada adulterina, ausente a primitiva coabitação que deu lugar e exclusividade à convivência concubinária.

Melhor teria feito o legislador se fosse buscar inspiração no Projeto de Lei nº 2.686, de 1996, o prometido Estatuto da União Estável, coordenado por Arnaldo Wald, em cuja parte final do seu artigo primeiro, vai expressamente reconhecido como união estável e livre de máculas, adjetivações ou restrições, a convivência entre um homem e uma mulher, separados de direito ou de fato dos respectivos cônjuges, sem estabelecer qualquer tempo, muito mais longos cinco anos,  como se só este lustro fosse capaz de selar para a sociedade, o que os cônjuges já haviam antevisto cinco anos antes - de que se fazia rota e irreversível a sua fatual separação.

6. Bibliografia.

AMORIM, Sebastião & OLIVEIRA, Euclides. Inventários e partilhas, Direito das Sucessões,   Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., São Paulo, 2.000.

CAHALI, Francisco José & HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Moraes. Curso avançado de Direito Civil, vol. 6, Direito das Sucessões, RT, São Paulo, 2000.

HERNÁNDEZ, Lidia B. & UGARTE, Luis A. Sucesión del cónjuge, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1996.

MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges, In Direito de Família e o novo Código Civil. Coord. Maria Berenice Dias & Rodrigo da Cunha Pereira, Del Rey, Belo Horizonte, 2001.

_______________ Efeito patrimonial da separação de fato, In Direito de Família aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1ª ed., 1998.


 


* Advogado e Professor de Direito de Família, Diretor Nacional do IBDFAM

[1] AMORIM, Sebastião & OLIVEIRA, Euclides. Inventários e partilhas, Direito das Sucessões, Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., São Paulo, 2.000, p. 346. 

[2] Ob. cit. p. 347.

[3] CAHALI, José Francisco & HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Moraes. Curso avançado de Direito Civil,  Ob. cit. pp. 249-250. 

[4] MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges, In Direito de Família e o novo Código Civil. Coord. Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Del Rey, Belo Horizonte, 2001, p. 171.

[5] MADALENO, Rolf. Ob. cit. p. 171.

[6] Súmula 377 do STF: " No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento"

[7] MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges, Ob. cit. pp. 178-179.

[8] CAHALI, Francisco José & HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Moraes. Curso avançado de Direito Civil, vol. 6, Direito das Sucessões, RT, São Paulo, 2000, p. 213.

[9] Artigo 1.838 do novo CC: "Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente."

[10] HERNÁNDEZ, Lidia B. & UGARTE, Luis A. Sucesión del cónjuge, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1996, p. 144.

[11] MADALENO, Rolf. Efeito patrimonial da separação de fato, In Direito de Família aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1ª ed., 1998, p. 99.

[12] Artigo 1.191 do novo Código Civil - "A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade."