Laços que ficam e paternidade alimentar.

Autores: Rolf Madaleno

        No conflito de outrora entre a filiação biológica e a socioafetiva vencia o vínculo genético que sempre permitiu presumir como absoluto o estado paterno de filiação e assim foi até o advento da Carta Federal de 1988 que deu prevalência ao direito da personalidade e ao respeito singular à dignidade da pessoa, sem mais discriminar a origem da filiação, quer sua origem derive da biologia, de vínculos socioafetivos ou dos laços de adoção.

         Evidenciam as afirmações até agora expendidas, existir uma clara linha divisória entre o direito de personalidade de que cada pessoa é titular e o seu estado de filiação, que não pode ser afetado quando já existe precedente atribuição de paternidade ou maternidade biológica ou socioafetiva, pois a verdade genética é apenas um dos elos que prendem todo o complexo estado de filiação.

        Por essa reviravolta constitucional que agora brinda a personalidade da pessoa, o vínculo socioafetivo merece inteira proteção como outro gênero de filiação, sendo vedada a sua desconstituição para contrapor o estado de filiação já constituído pelo registro do descendente como filho do coração. 

           De sua parte, os alimentos carregavam em sua gênese uma função indenizatória, servindo ainda hoje a pensão alimentícia para manter a estratificação de quem se vê drasticamente frustrado de seus projetos de vida familiar.

      Os alimentos são estabelecidos em favor do credor que deles precisa para assegurar a sua sagrada e fundamental subsistência, diante da evidência de não ter como arcar com a sua sobrevivência pessoal, firmando-se destarte, como dependente de seu provedor, ou até mesmo porque necessite de uma alimentação complementar, já que os seus ingressos não comportam patrocinar toda a extensão de suas necessidades e do seu status social.

          Neste contexto, exonerar o genitor biológico do auxílio alimentar de seu filho genético apenas porque está vinculado a um parentesco socioafetivo seria permitir o duplo empobrecimento, moral e material do descendente genético, que deve usufruir de uma melhor condição socioeconômica em conformidade com aquela desfrutada por seu procriador. Cumpre o pai socioafetivo do jeito que pode e nos limites de suas condições financeiras o arcar com o que dispõe para a formação, alimentação e educação do rebento que assumiu por amor.

       A paternidade está cada vez mais longe de ser sustentada exclusivamente na sua derivação genética, antes, firma-se na segurança das relações afetivas e bem assim, difere o crédito de alimentos pela responsabilidade social e pela responsabilidade de pai, pois não há como forçar a ser pai quem não quer assumir uma paternidade que rejeita e que o faz se sentir clara e profundamente desconfortável, mas este genitor do ocaso e da falta de afeto pode não ser compelido a conviver e gostar de seu filho que abandona pelo descaso e pela frieza de sua desumana rejeição, mas também não pode, em contrapartida, ser igualmente compensado com a dispensa da sua responsabilidade pelo vínculo de sua procriação, apenas porque outro assume por afeto a sua primitiva função parental.

      Pode e deve ser perfeitamente levado em consideração a condição social do responsável alimentar, pois não pode ser dissociado que os alimentos são apreciados em função da fortuna, da situação social, da padronagem e dos ingressos financeiros do devedor, já que a pensão deve ser compatível com a estratificação social da pessoa obrigada pelos laços de afeto ou pelos laços biológicos.

    Daí, ser de todo defensável a possibilidade de serem reivindicados alimentos do progenitor biológico, diante da impossibilidade econômico-financeira, ou seja, diante da menor capacidade alimentar do genitor socioafetivo, que não está em condições de cumprir satisfatoriamente com a real necessidade alimentar do filho que acolheu por afeição, onde o pai socioafetivo tem amor, mas não tem dinheiro.

         Se esse pai socioafetivo não tem condições arcar sozinho com a manutenção do alimentando, deve o filho biológico poder buscar o complemento dos seus alimentos, em paridade com a privilegiada capacidade econômica do genético genitor.

       Tem o filho genético, por direito à vida digna e em consonância com a natureza indenizatória dos alimentos o direito de reivindicar o crédito alimentar necessário e suficiente para cobrir os reais custos de sua manutenção, em valores proporcionais à estratificação social de seu procriador e que não conseguem ser atendidos pela inferior condição financeira do pai socioafetivo que o compensa com muito amor.

        O pai biológico e de nenhum vínculo de amor pode ser convocado a prestar sustento integral a seu filho de sangue, sem que a obrigação material importe em qualquer possibilidade de retorno à sua família natural, mas que apenas garanta o provincial efeito material de assegurar ao filho rejeitado a vida digna, como nas gerações passadas, em que ele só podia pedir alimentos do seu pai que era casado e o rejeitara.