Conduta Conjugal Culposa

Autores: Rolf Madaleno

               Rolf Madaleno

                                                Advogado e Professor de Direito de Família

                                          Sumário

1. A definição de culpa conjugal.  2. A razão da culpa.  3. A tendência da maior facilidade.  4. A separação traumática.  5. A abstração da culpa.  6. A desdramatização da separação.

                           

1. A Definição de culpa conjugal.

                                           Segundo a lei divorcista brasileira que trouxe substanciais alterações no terreno do desvinculo matrimonial, anteriormente regulado pelos artigos 315 a 324 do Código Civil [1], a insuportabilidade da vida em comum, não é causa suficiente para autorizar a separação do dueto conjugal desafeto.

                                           Embora o atual sistema tenha ampliado o leque de fatos autorizadores da separação judicial litigiosa , continua, como antes, a exigir a prova da responsabilidade; quer que o demandante da separação comprove a conduta negligente ou imprudente do parceiro, da qual proveio seu dano ou sua ofensa. Cultiva a lei brasileira a reprovação social do casamento, por só deferir a desquitação  antes de um ano mínimo de separação fática, quando presente e de modo probatório contundente, a culpabilidade do cônjuge requerido, isto, quando reconvenção judicial não demonstrar culpas recíprocas.

                                           A Lei  do Divórcio dividiu o elemento culpa por grave violação dos deveres do casamento, que importaria em faltar com qualquer uma das obrigações conjugais impostas no artigo 231 do Código Civil, como dever de fidelidade, de mútua assistência, coabitação, sustento aos filhos,  além do dever de respeito, como é da lição dos doutrinadores [2]. No outro extremo colocou a conduta desonrosa [3], encerrando nela as duas hipóteses de separação judicial, que devem ser acrescidas da prova da insuportabilidade da vida em comum, porque de nada adianta sofrer infração de obrigação matrimonial ou ser agente passivo de conduta desonrosa desferida pelo parceiro, se o consorte vitimado não visualiza nestes fatos uma insuportabilidade de seguir casado e em convivência conjugal.

                                           Conforme doutrina Yussef Said Cahali [4]o legislador desatrelou-se das causas peremptórias da separação judicial sanção, para o sistema facultativo, carregando aos tribunais a responsabilidade de modelar o "standard ' da conduta desonrosa, ou da infração aos deveres conjugais que, pela sua gravidade, torna insuportável a vida em comum dos esposos.

2. A razão da culpa.

                                           Conta Víctor Reina [5]que o exame da culpa conjugal encontra sua origem no direito canônico, de um tempo de prevalência do direito cogente que dominava toda matéria matrimonial, sendo desígnio legislativo de que nada ficava à livre vontade das partes.  Prossegue Reina, esclarecendo, e assim também acontecia no Brasil  ao tempo do desquite regulado pelo Código Civil, que as soluções de casamentos rotos, permaneciam entorpecidas, dado que os cônjuges estavam obrigados a esta vida em comum, e se esta obrigação não se regula exclusivamente por um direito privado correlativo, porque seu principal fundamento era a moralidade e a ordem pública, não podiam os cônjuges, por sua exclusiva vontade se divorciar ou se separar. A sociedade e seus mais caros interesses que dariam entregues às paixões ou ao capricho dos cônjuges  desavindos ou cansados do cumprimento de seus deveres. Foi a Igreja Cristã que trouxe ao mundo romano a concepção do casamento indissolúvel, por Cristo que veio restaurar a ordem sobrenatural transtornada pelo pecado de Adão e Eva, revelando também, a vontade de Deus acerca da integração do homem e da mulher numa união inquebrantável das núpcias [6]. Anotam Henri e Jean Mazeaud [7], que no direito canônico a separação de corpos, que equivale à nossa separação judicial, por se tratar de uma sanção que, sem dissolver o matrimônio, suprime a comunidade de vida entre os esposos e sanciona ao cônjuge culpado;  diziam os Mazeaud só estava permitida em determinadas causas, que constituíam uma grave culpa de um dos esposos. Este conceito do caráter sacramental do casamento só cedeu seu rigor muito tempo depois, contudo, ainda é fortemente observado em gerações de cônjuges, no encerramento do século XX.

                                           Por isto mesmo, que as separações só se davam pelas causas legais restritas, como adultério, sevícias, abandono malicioso do lar por mais de dois anos, posto que o princípio gerador de todos os casamentos era a perpétua união dos esposos, descabendo ameaçar a solidez do instituto matrimonial, com os caprichos e as paixões dos cônjuges desgostosos. E, portanto, embora possa ser dito que o objetivo da separação por culpa não seja o de castigar o cônjuge culpado, com efeito, que o recolhido desejo daqueles que litigam por sua separação, certamente está em cobrar o preço desta indesejada ruptura dos laços conjugais que deveriam ser  preservados por toda a vida.

                                           Entretanto, ainda na atualidade as separações judiciais litigiosas, conhecidas como separações sanções, só podem ser decretadas se o autor provar a causa esgrimida, mesmo que ampliados os motivos para o critério da livre apreciação judicial,  pois do contrário a demanda será rechaçada.

                                           É de ver  que a separação judicial por vontade unilateral é exceção, conquanto, o casamento ainda goza entre nós, da presunção de perpetuidade, salvo que ambos consortes decidam pela terminação amigável das núpcias, ou, se um deles foi o motivador e o outro a vítima; ou que então ,suceda um ano mínimo de fática separação, para dar margem à desquitação pelo decurso de prazo, ou aguardem os matrimoniados dois anos de ininterrupta moradia separada, para viabilizar o divórcio direto. Em outros termos, a legislação brasileira sustenta na responsabilidade a separação litigiosa, como instrumento de contenção da sina separatória, reflexo desta presença ainda intensa, mas frágil, da influência religiosa no casamento.

                                           Estranha necessidade legal, quando ela mesmo faculta guardar segredo da causa separatória, aliás, até proíbe sua revelação quando a separação é consensual e, no entanto, não abre mão de uma tola disputa de decantada inocência de um lado e acirrada acusação do outro, quando idêntico o fim colimado, lograr a desamarra nupcial. Mas, disto resulta que de todas as formas de finalizar um casamento em juízo, curiosamente, ainda persiste aquela que comete ao juiz apreciar as causas, como se a ele fosse possível reunir sentimentos rompidos, cônjuges já viceralmente desavindos.

3. A tendência da maior facilidade.

                                            

                                           Cabe respirar aliviado, pela tendência que se vem verificando desde o advento da Lei do Divórcio editada em dezembro de 1977, quando apoiada pela Emenda Constitucional nº 09, instituiu o divórcio no sistema legal brasileiro. Sucede, que a lei divorcista trouxe dentre seus artigos, o direito de ser requerida a separação nominada de remédio, como o próprio direito de ser requerido o divórcio, quando se registrasse entre o casal um certo lapso temporal de fática e ininterrupta separação.

                                           Escreveu Limongi França, [8]ser novidade legal que consagrou no Direito Brasileiro a separação de fato como causa do divórcio e, como causa mesmo, da própria separação judicial, colhidas do artigo 5º , § 1º  e 40, caput,  ambos dispositivos da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Pela primeira vez o legislador nacional se desprega do até então inafastável exame da culpa, fundada certa época no adultério, na tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e no abandono voluntário do lar, durante dois anos contínuos. Desde 1977 conviviam duas formas diversas de alcançar a separação judicial, sendo uma delas, pelo forçoso exame da culpa, advindo a outra opção da separação de fato, desde que, como dizia o § 1º do 5º artigo da lei divorcista, permeassem entre os separandos, cinco anos consecutivos de provada ruptura da vida em comum, com impossibilidade também demonstrada, de sua reconciliação.

                                           Necessário se faziam dois requisitos para o decreto separatório sem exame de responsabilidade; de um lado, a incidência por mais de cinco anos consecutivos de separação de fato e do outro, completa impossibilidade de reconstrução deste casamento. E nada podia interromper este lapso separatório, em nenhuma hipótese, sob pena de precisar ser reiniciada a recontagem do lustro fático de inequívoca separação. Não obstante, há opiniões contrárias, como fez Limongi França [9], ao dizer que "retornos ocasionais não podem ser considerados como causa interruptiva, porque fatos dessa ordem não se podem considerar reatamento da vida conjugal, senão tentativas frustrâneas que mais confirmam do que elidem a separação efetiva."

                                           Conforme o artigo 40 da Lei do Divórcio, também poderia vir despido de carga de culpa, como divórcio objetivo, pleito divorcista calcado no caput  deste citado artigo 40, a rezar que, era possível requerer a dissolução do casamento, desde que houvesse separação de fato dos cônjuges, com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados cinco anos.

                                           Estes foram os primeiros passos dados para uma nova visão do casamento e sua inaceitável indissolubilidade, ou, sua dissolução evidenciada somente frente ao obrigatório exame de responsabilidade. Sobre a requisição condicional de falta cometida pela parte requerida, disse Pedro Sampaio [10], que tradicionalmente a separação era concedida como resultante de uma falta cometida por um dos cônjuges. Importava na ação, ou omissão do outro parceiro, faltando com os deveres  ou agindo com conduta desonrosa.

4.  A separação traumáTICA.

                                           Verifica-se cada vez mas nos processos  de separação judicial por conduta culposa, quão inútil e inoportuna se mostra a onerosa e, demorada pesquisa  dos fundamentos que, pelo Direito Brasileiro ainda em vigor, devem conduzir a dissolução de uma sociedade conjugal, obediente ao comando do caput do artigo 5º da Lei do Divórcio, quando dispõe que: "a separação pode ser pedida por só um dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum."

                                           Reflete esta modalidade radical de separação das pessoas civilmente casadas, uma velha e incômoda reminiscência à versão religiosa e porque não romântica, do casamento idealizado para durar para toda a vida, sendo altamente restritivas as possibilidades legais de terminação judicial do matrimônio, com nítida disposição da lei, em promover meios que conduzam para a sempre, esperançosa salvação do casamento, enquanto a prática diária das ações de dissolução das sociedades conjugais e, bem assim, o crescente volume de processos que vêm aportando nos tribunais brasileiros e estrangeiros, associados às uniões informais, mostram claramente, não como dizem muitos, a falência do sistema conjugal, mas, antes, o caráter contratual do matrimônio, onde é pouco provável que uma exagerada intervenção do Estado, na ânsia de salvaguarda da união, através de uma meticulosa filtragem das causas separatórias que fundamentam os processos, possam, efetivamente, contribuir para a preservação de duetos que já amadureceram suficientemente suas consciências e, que, só se apresentaram em juízo, quando, obviamente seguros de que seus desajustes representam o esgotamento psicológico de seus desencontros; de suas mazelas, decepções recíprocas e desilusões,  que raramente advém de uma causa final e única, mas são sim, produto exato e conclusivo,de que as separações judiciais dificilmente comportam uma única e unilateral responsabilidade e que, em verdade, por repetidas vezes, surgem por conseqüência do velho e  simples desamor.

                                           Valem por oportunas, as advertências trazidas por Arnaldo Rizzardo ,[11]quando observa que inúmeras relações conjugais persistem, unicamente, porque um dos cônjuges não aceita a separação consensual, mantendo-se um casamento de externa aparência, em que o consorte sequioso pelo rompimento depara com a resistência daquele que se sente rejeitado pelo manifesto de desamor, como se sua incidência fosse a mais grave e desonrosa das causas.

                                           Observa-se pela evolução do Direito de Família Brasileiro, especialmente no tocante à legislação de dissolução do casamento e mesmo, com sua comparação, análise e interpretação à luz das novas leis concubinárias,  que se consolida  uma tendência já verificada em países ditos mais modernos e adiantados, onde desimporta plenamente, apurar qualquer conduta faltosa da separação judicial, como disto já é contundente demonstração a conhecida separação remédio, que facilita o fim jurídico das núpcias pelo decorrer exclusivo, processualmente provado, de um ano de fática e ininterrupta separação verificada entre cônjuges.

                                           A mesma prática salutar de afastar totalmente, qualquer possibilidade de discussão judicial da responsabilidade atribuída aos cônjuges, encontra-se conscientemente presente no pedido direto de divórcio, onde o pressuposto único a observar, tal qual acontece na separação remédio, é verificar o transcurso do prazo mínimo exigido de fatual separação, que, como visto, é de um ano corrido para a separação judicial e de dois anos ininterruptos, quando se trate de promover a dissolução do vínculo conjugal, através do divórcio.

                                           Mostram estas hipóteses de rompimento dos laços conjugais, que a separação deve ser, e sempre, legalmente facilitada, até mesmo em homenagem à instituição do matrimônio, que ultimamente vinha perdendo fôlego para o concubinato, ou união estável, como preferem outros identificar esta sociedade afetiva informal, justamente pela facilidade que existia em dissolvê-lo, destituído de formalidades, e, portanto, ausente de estafantes processos, que durante infindável e precioso tempo, catavam com o auxílio do Judiciário, motivos que convencessem o julgador que a união se deteriorara pela acentuada e culposa perversidade de um daqueles consortes em disputa, como se seus conflitos matrimoniais não tivessem  decorrido, como usualmente sucede, de prolongadas e recíprocas divergências, que não convêm ao separando deixado em abandono, sejam repartidas na consciência de cada partícipe, mas, prefere antes, trazê-las para o ventre de uma tediosa batalha judicial e desta forma aplacar as feridas morais provocadas em seus sentimentos.

5. A abstração da culpa.

                                           Presentemente, o casamento desconstitui-se pelo exame processual da culpa, como causa subjetiva da separação, ou pela forma objetiva, representada pelo decurso do tempo existente de separação de fato entre os esposos, exigindo um ano mínimo para a separação judicial sem exame de responsabilidades conjugais; ou dois anos , para o divórcio direto, além da chamada separação remédio, em franco declínio, pois pune quem tem sua iniciativa, com deveres que perpetua no espaço e no tempo, sem referir que poderá ser negada tal separação, se o juiz entender que o decreto de dissolução matrimonial poderá ser causa de agravamento das condições pessoais ou de saúde do cônjuge enfermo; ou determinar, em qualquer caso, como lembra Arnaldo Rizzardo, [12]conseqüências morais de excepcional gravidade para os filhos menores.

                                           Não são muitas as legislações que ainda adotam a instituição jurídica da separação judicial, como uma espécie de avant premiére  do divórcio, embora, verifique-se que a tendência, ao menos no mundo ocidental, capitalista, porque de economia descentralizada, é a de abolir esta figura da prévia separação judicial, remanescência de um lado, de um processo burocrático; digno sucessor do antigo desquite vigente antes do advento da Lei do Divórcio. De outra parte, memória de uma época em que o vínculo do casamento não se dissolvia e, só a muito custo os casais podiam em situações de verdadeira exceção, lograr sentença favorável de desquitação, porque forte e muito presente a influência bíblica do matrimônio convolado para a eternidade dos esposos, recordando Eduardo de Oliveira Leite ,[13]ter a Igreja sempre defendido o princípio da absoluta indissolubilidade do casamento, pois, que não separe o homem o que Deus uniu .

                                           Em países como disto é exemplo a Alemanha, há muito, foi completamente abolida qualquer possibilidade processual de ser pesquisada a culpa dos cônjuges pela derrota do seu matrimônio, pois, entendem os juristas alemães que a máquina judiciária estará muito melhor aproveitada, se concentrar seus esforços e recursos, com equipes multidisciplinares ensinando àqueles que se separam, como  deverão enfrentar suas renovadas experiências afetivas, corrigindo para suas novas núpcias, ou mesmo para suas relações informais, as falhas que tenham porventura provocado dentro do relacionamento conjugal, por inocência, cisma, ingenuidade ou cizânia, já que nada, no seara do amor, é realmente inalterável quando houver vontade para crescer como pessoa e, para fortalecer suas relações.

                                           Veste como uma luva a advertência feita por Marta Stilerman e María Teresa de León ,[14]de que " as questões relativas à culpabilidade tendem a dar vazão a velhos rancores e a reavivar os conflitos determinantes da quebra da união..." . Entretanto, um moderno Direito de Família já não mais reserva espaço e nem deve servir de palco para satisfação de resistências subjetivas à separação, tratando de feridas que muitas pessoas teimam em não curar e noutras tantas oportunidades, buscando pela via contenciosa, na cobrança de um sentimento de culpa pelo fracasso do casamento, a resignação financeira desta derrota, traduzida pela partilha desigual dos bens conjugais, ou pela determinação de uma quota astronômica de alimentos aos filhos menores e esposa, como preço do direito de resguardar sua intimidade.

6. a desdramatização da separação.

                                           É preciosa,rica,diversificada e sobretudo difusa, a construção  jurisprudencial pátria sobre a separação judicial causal. Assim acontece, porque ao longo dos anos, os tribunais brasileiros produziram interpretações de conduta desonrosa e violação dos deveres conjugais, que vêm autorizando atender à realidade cotidiana das pessoas que acodem ao Judiciário com toda sorte de situações de crises conjugais, para dar solução processual ao irremediável fracasso dos seus matrimônios.

                                           É que já de longa data tem se mostrado débil e inútil o esforço processual que pesquisa a gêneses culposa da falência conjugal, porquanto, de nada adianta e, disto se aperceberam os que lidam com este ramo familista do direito, procurar um protagonista que possa ser responsabilizado pela ruptura das núpcias, até mesmo porque, todo este superado culto à causa culposa de final de casamento, só tem servido para aumentar amarguras, tristezas e humilhações.Aconselha o bom senso de hoje, o descarte investigativo de qualquer razão que pudesse provocar uma decisão culposa de liquidação da sociedade conjugal, pois este hábito do exame da culpa só se presta para uma tola dramatização da separação, alargando desnecessariamente as tensões familiares, dinamitando qualquer resquício que pudesse sobrar, de uma imprescindível áurea de harmonia e diálogo familiar.

                                           Absolutamente nada, justifica que um juiz prossiga na atualidade do matrimônio contrato, negando outorgar a separação judicial se não encontrar um cônjuge inocente e outro culpado, ou, dois cônjuges culpados. Observa Víctor Reina, [15]que o mais grotesco é que a legislação conceda uma importância aparente à separação baseada em culpas conjugais, semeando discórdias processuais, para que depois isto não sirva praticamente para nada, posto que os efeitos da separação (filhos e economia), que é o que importa, haverão de estabelecer-se por critérios objetivos, sem qualquer influência da culpabilidade conjugal que só dilata e envenena estes processos.

                                           A lenta e desgastante pesquisa da razão culposa da separação, se é que existe cônjuge responsável e outro inocente, então, deste, a demanda só atrasa no tempo a sua prestação jurisdicional, servindo o feito aos interesses mesquinhos da parte que quiser se utilizar do processo como instrumento de vingança de seus ressentimentos, ou de suas frustrações como esposo, apresentando-se todo este entrevero processual, nada produtivo aos efeitos objetivos da separação e que respeita justamente, a ordenar guarda, alimentos e visitas da prole, quando esta existe e ainda é incapaz pela idade; e repartição dos bens.

                                           Do contrário, que fará o decisor judicial frente à realidade de um casamento roto, acaso deseje dar dramaticidade à separação, cuidará de caçar responsáveis pela falência da sociedade nupcial; esticando no tempo a ansiedade e a indescritível angústia dos que se separaram. Negando o decreto separatório, porque não lhe foram identificados os culpados, não só presta um desserviço social pela recusa da prestação jurisdicional, por teima e apeguismo à causa subjetiva da dissolução, como também, provoca uma separação de fato unilateral, como solução precária, já que sua eficácia fica dependendo do lapso de tempo exposto na lei, a facultar a separação ou o divórcio remédio, pela tão-só constatação do tempo fático de ininterrupta separação.

                                           Daí que sentencia Víctor Reina, [16]:"que em resumo, toda matéria da culpa conjugal se ressente de um enfoque inicial, a saber, não haver considerado que o matrimônio como realidade social e civil é radicalmente uma coisa de dois, e quando quebra este pressuposto por parte de um ou do outro, o Direito não tem outra opção que reconhecê-lo roto, sendo inútil, e inclusive prejudicial, qualquer tipo de solução legal que pretenda manter artificialmente uma convivência impossível."

                                           Portanto, deve ser desdramatizada de plano e de pronto, esta tão traumática forma litigiosa de separação judicial, desobrigando seus partícipes da necessidade de alegarem qualquer outra causa de dissolução, que não seja a própria vontade como manifestação, cita Reina, [17]da impossibilidade de convivência, porquanto e neste sentido mostram todas as evidências, os cônjuges terminam por resumir seus reclamos aos efeitos objetivos da sua separação, de nada servindo como inútil troféu, uma sentença judicial que diga e declare artificialmente, que só um deles foi responsável pela derrota do casamento.

         

                                                            - o -


 


[1]O art. 317 do Código Civil apontava as causas taxativas que permitiam o desquite: I- adultério; II- tentativa de morte; III- sevícia e injúria grave; IV- abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos.Atualmente a separação judicial está regulada pelo artigo 5º da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio) : Art. 5º A separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importa em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

[2]Vale à pena aproveitar as preciosas informações colacionadas por Carlos Alberto Bittar,  Curso de Direito Civil, Forense Universitária, vol. 1, p.293, quando explica o Direito ao Respeito, para destacá-lo como fator preponderante da personalidade moral que merece proteção jurídica: "Integrante da tábua básica de valores morais, procura preservar da invasão por outrem a dignidade e o decoro da pessoa."  e prossegue: "Constitui, pois, violação a esse direito a atribuição genérica de qualificativos deprimentes ou constrangedores, reprovados pelo ordenamento jurídico, em prol da tranqüilidade social. Por outras palavras, profliga-se a manifestação de opinião pessoal desairosa a outrem, por palavra, som ou gesto ultrajante, bastando que o lesado, se não diretamente atingido, possa perceber a ação ilícita."

[3]Auvaldo Chaib, Conduta Desonrosa na Lei do Divórcio,  RT 545/279, diz ser conduta desonrosa "tudo que ofensa a honra e o decoro do cônjuge  e que pode tornar a vida em comum insuportável."

[4]Yussef Said Cahali, Divórcio e Separação,  8ª edição, RT, tomo 1, p.60.

[5]Víctor Reina, Culpabilidad Conyugal u Separación, Divorcio o Nulidad,  Editora Ariel, p. 75

[6]Conforme Antonio B. Bettini, na sua excelente obra Indisolubilidad del Matrimonio, Ediciones Depalma, Bs.As., p.31.

[7]Henri Léon Mazeaud & Jean Mazeaud, Lecciones de Derecho Civil,  vol. IV, Ediciones Jurídicas Europa-América, p.521.

[8]Rubens Limongi França,  Comentário à Lei do Divórcio,  Edições Cejup, p.60/61.

[9]Rubens Limongi França, ob. cit., p.61.

[10]Pedro Sampaio, Divórcio e Separação Judicial,  Forense, 3 ª, p.49.

[11] Arnaldo Rizzardo,  Direito de Família , Editora  Aide, vol. II, 1ª edição, 1994, p.396.

[12] Arnaldo Rizzardo, ob. cit., p. 395.

[13]Eduardo de Oliveira Leite, Temas de Direito de Família , RT, 1994, p.77,

[14]Marta Stilerman e María Teresa de León, Divorcio Causales Objetivas, Editorial Universidad, 1994, p.52.

[15]Víctor Reina, Culpabilidad conyugal y separación, divorcio o nulidad,  Editora  Ariel, 1984, p.114.

[16]Víctor Reina, ob. cit., p. 115.

[17]idem, ob. cit., p.116.