A Disregard nos Alimentos

Autores: Rolf Madaleno

Sumário

        1.Direito à vida. 2.O homem em família. 3.Intervenção do Estado no âmbito do Direito de Família. 4.A intervenção estatal no Direito   Comercial. 5.O direito alimentar. 6. A articulação processual dos alimentos.7.Presução e aparência.8.O delito de descumprimento do dever familiar de assistência. 9.Idoneidade do objeto social. 10. Abalo da ordem pública pela fraude ou pelo abuso. 11. A teoria da disregard . 12. A disregard  nos alimentos 13. Sua incidência processual. 14. A despersonalização ativa. 15. A despersonalização ativa inversa.

1.         Direito à vida.

            A vida é o mais importante de todos os direitos, aliás, é ela o pressuposto de todos os outros direitos, pois que sem vida não há titularidade de deveres e de direitos. É direito inato, tem importância suprema, fundamental, como outros direitos subseqüentes também o são, contudo, deles todos, tem a vida absoluta e imprescindível prioridade, porque respeita à própria existência da pessoa. A vida, afirma José Afonso da Silva,[1]é movimento espontâneo, caminha em sentido contrário à morte, que é certa, mas não deve ser facilitada pela ação ou omissão do homem e do Estado. Desde o nascimento com vida começa a personalidade civil do homem; contudo, é a lei que põe à salvo os direitos do nascituro desde a sua concepção.

            Portanto, importa ao Estado, tenha o homem hígida existência física e psíquica, que cresça, seja educado e se desenvolva no âmbito de sua família, no modelo celular que serve de base à sua estrutura política e social.          

             Por estas razões, não é sem outro motivo que a Constituição Federal garante aos brasileiros e estrangeiros que residam no País a inviolabilidade do direito à vida, como princípio fundamental, elevado pela Carta Política  para um degrau mais alto dentre os direitos constitucionais, sendo primado absoluto do Estado garantir a vida e a subsistência do cidadão. 

           

2.         O Homem em família.

            Em regra o homem não se desvincula da sua estrutura familiar, é nela que encontra e desenvolve os aspectos essenciais de sua vida.[2] É através da família que se perpetua a espécie humana, firmam-se os vínculos entre as diferentes pessoas. Tendo como base social o modelo familiar, o homem com sua família é alvo de permanente proteção do Estado, que deles depende para o seu crescimento econômico.

            A atual família nuclear surgiu com a revolução industrial, que concentrou densa massa populacional nos grandes centros urbanos.          

            Antunes Varela [3]lembra que o crescimento das cidades em detrimento da vida campestre, importou num nítido estreitamento das relações familiares e, assim, os laços de parentesco que antes também se  estendiam na linha colateral reunindo tios, sobrinhos e primos, no culto dos mesmos avós, refere Varela, voltaram-se exclusivamente para a chamada linha reta descendente, reduzidos à chamada pequena família, formada pelo agregado dos pais e de seus filhos, estes, cada vez em menor quantidade.

            Esta nova concepção social de família destinou a cada integrante um papel específico, mas, com efeito, todos seus integrantes expostos à avaliação pública, vivendo e trabalhando em prol do seu núcleo celular e em benefício de um Estado que em paralelo, cresce forte e sólido e, deste modo, retribui numa gama de serviços e préstimos sociais que devem em princípio, cuidar da saúde, da educação e da assistência social daqueles mais necessitados, até a previdência social dos que se jubilam.

            Entretanto, não se cogite de uma sociedade de homens sós, apartados do núcleo familiar, que pouco importa, se formem pelo casamento ou fora dele, ou até mesmo proveniente da sua tendência de família monoparental, [4]pois é dentro do núcleo familiar que o homem satisfaz as suas necessidades, evolui e vive prioritária e satisfatoriamente, sua existência.

3.         Intervenção do Estado no âmbito do Direito de Família.

      

             Por estes mesmos fundamentos, é grande a intervenção do Estado na ordem econômica e social, pois ele exerce o papel institucional de fiscalizar e normatizar o conteúdo das relações sociais, em especial na esfera familiar, com notórios reflexos na ordem econômica. Nagib Slaibi Filho [5]mostra que o intervencionismo estatal vai assumindo atividades que têm o escopo assistencial de proteger valores sociais éticos, morais e políticos e, sobretudo, atenuar a miséria para minimizar as desigualdades individuais.

            Há total intervenção estatal na constituição familiar brasileira, num primeiro plano, só a família legítima gozou do abrigo legal, enquanto isto, a família concubinária construiu a sua identidade jurídica através de uma lenta evolução jurisprudencial, e por leis concedendo tênues, mas gradativos direitos, até resultarem com o advento da Carta Política  de 1988, também na proteção constitucional da família de fato como outra legítima alternativa de entidade familiar.

            Através deste princípio exposto na Constituição Federal vigente, o Estado ampliou o seu braço protetivo ao esquema informal de vida familiar.  Axiologicamente, agregou ao modelo clássico de família conjugal a família oriunda da união estável.

            Em povos politicamente organizados, interagem duas nítidas missões, uma é a do Estado, que fomenta, preserva e fortifica as funções fundamentais da família. O Estado fiscaliza e legisla sobre a constituição e dissolução das relações heterossexuais afetivas; também fiscaliza e legisla sobre a proteção, formação e educação dos filhos; sobre a assistência dos incapazes; sobre aspectos econômicos da união, dentre outras frentes de seu essencial, para que a família experimente e alcance a sua harmônica existência.

            No outro extremo aponta a família, que depende destas mesmas condições para seu desenvolvimento, enfrentando o mais serenamente possível, os obstáculos que a vida apresenta, mas, ao superá-los pela unidade do conjunto, logra cumprir sua função de trabalhar para que o Estado democrático também progrida, repousado sobre a liberdade e igualdade, como aponta Cirilo Pavon, [6] que mantém o Estado forte e soberano.

            No Direito de Família há pouco jogo de liberdade da autonomia de vontade, encontrando-se densamente limitada pela ordem pública, que sempre haverá de prevalecer em detrimento da coletividade, pois que a família e seus componentes representam a espinha dorsal do Estado.

          

  4. A intervenção estatal no Direito Comercial.

            Em situação adicional das relações entre os homens, surge o Direito Comercial, que regula a ordem jurídica das sociedades mercantis. Pertencendo ao direito privado, tem como primado a prevalência da autonomia da vontade e da igualdade sobre o interesse público. Já no plano do direito público, observa Fábio Ulhoa Coelho,[7]um dos seus princípios fundamentais é o da supremacia do interesse público, para que o interesse geral prepondere sobre o particular.

            Em apertada síntese, leis e regras impostas pelo Direito Comercial procuram resguardar a livre iniciativa das pessoas, mas, sempre resguardados os limites de atuação da vontade privada. No campo comercial o Estado interfere para minimizar os efeitos da desigualdade econômica, como deve atuar para expungir qualquer desvio malicioso e abusivo do objetivo societário, quando algum sócio causar dano ilícito a terceiro, valendo-se da máscara societária.

            Importa referir em avaliação conclusiva, que o ordenamento  brasileiro prevê diferentes estruturas legais de organização societária e a partir de cada um destes modelos pré-existentes de contrato de sociedade comercial, firmam e registram o seu estatuto. Portanto, a personalidade jurídica societária é formada por delegação estatal, com capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações, pautando sempre pelo alcance ético, moral e jurídico fixado em lei e por seus estatutos , observada a sociedade e seus sócios, pela discreta intervenção do Estado.

            Visto deste modo o contrato societário, não é errado afirmar que a constituição de uma sociedade comercial dá origem a uma instituição, como diz Enrique Zaldivar, [8]ao ver na formação de uma sociedade comercial a criação de um sujeito de direitos de posição intermediária entre a pessoa física e o Estado, justamente, porque as pessoas jurídicas afetam a vida da comunidade onde se desenvolvem, interferem na economia do Estados e no bem-estar de sua população.

            5. O direito alimentar.

           

            Também pelo Direito Brasileiro os parentes se devem alimentos, quando por deficiência etária; incapacidade laborativa; enfermidade grave e outras adversidades da vida, não conseguem suprir às suas necessidades de subsistência[9]. O direito aos alimentos, ao lado do direito à própria vida, representa um dos dispositivos mais importantes de qualquer legislação.  Diez-Picazo e Gullon,[10]citando Barbero referem que o primeiro bem de uma pessoa dentro de uma ordem jurídica é a sua vida e seu primeiro interesse é conservá-la, e sua primeira necessidade é buscar os meios para a sua conservação.

            Desde as mais distantes origens os alimentos prestados por quem tem capacidade e dever de provê-los aos seus dependentes, carregam em sua natureza jurídica a função vital da sobrevivência do ser humano enquanto em processo de crescimento e, de desenvolvimento físico e mental. Os alimentos também servem de suporte ao dependente que, embora civilmente capaz, ainda prossegue com os estudos de conclusão da sua formação profissional. Ainda, àquele que por enfermidade grave, apresenta intransponível obstáculo e, absoluta impossibilidade de prover seu sustento com o resultado financeiro de seu próprio trabalho.

            Embora os alimentos não tenham origem exclusiva no parentesco, podendo surgir do casamento, do concubinato, por testamento, contrato e indenização por ato ilícito, estatisticamente a obrigação alimentar encontra maior trânsito dentro da família, com a largueza adequada aos vínculos de parentesco em linha reta, descendente e ascendente. Também entre os irmãos colaterais, e nos vínculos de conjugalidade e de concubinato, com a característica toda especial de ser sempre uma obrigação recíproca, explica José Gómez,[11]já que quem está obrigado a prestá-los, também tem o direito de recebê-los se chegar a se tornar necessitado e, se o primitivo alimentando se encontrar em condições de socorrê-lo.

            A expressão alimentos engloba o sustento, a cura, o vestuário e a casa, reza o artigo 1.687 do Código Civil brasileiro e, se o alimentando for menor, também a educação, tudo dentro do orçamento daquele que deve prestar estes alimentos, num equilíbrio dos ingressos da pessoa obrigada, com as necessidades do destinatário da pensão alimentícia.

            Também o direito alimentar, vale destacar, é de ordem pública, conquanto prevalecendo o interesse social na proteção e preservação da vida e da família. Posiciona-se adiante do interesse privado, já que nele sobreleva, diz Julio Lopez Carril, [12] um comando superior que  carrega um dever moral, coercitivamente imposto às pessoas já designadas pela lei civil, muito embora, em se tratando de um interesse social, também o Estado deveria arrogar a si o paritário dever de prover a subsistência daqueles necessitados que sequer encontram parentes que possam socorrê-los da miséria e das condições sub-humanas que rotineiramente vivenciam.

            6. A articulação processual dos alimentos.

           

            Sendo os alimentos essenciais à sobrevivência e ao desenvolvimento da vida das pessoas, é natural que sua provisão se dê de imediato e em trato contínuo, por meio de prestações sucessivas, exigíveis enquanto perdurar a necessidade e a razão da obrigação alimentar. Estes alimentos judicialmente arbitrados, objetivam cobrir as despesas necessárias à subsistência material e espiritual do alimentado, dentro daquele idéia clássica de que os parentes têm entre si uma obrigação alimentar, enquanto os pais detém em relação aos seus filhos menores, por decorrência do pátrio poder, um irrestrito dever de sustento.[13]

            Passado o período no qual a organização familiar estava estruturada exclusivamente no trabalho do marido, também encarregado da administração dos bens conjugais, leis e costumes trabalharam pela igualdade jurídica do homem e da mulher, dentro e fora do casamento.Revistas as posturas axiológicas, dia-a-dia a família está sendo remodelada.  Ficaram sem trânsito máximas como a chefia masculina e o trabalho externo apenas para o homem, dedicada a mulher ao repetitivo e desvalorizado labor doméstico.

            Indiscutível o dever alimentar dos pais para com os seus filhos, como comanda o artigo 20 da Lei do Divórcio, ao endereçar aos dois genitores a obrigação de sustento de sua prole, em proporção aos recursos que cada um possui.

            Assim visto, é de considerar que em relação aos esposos e concubinos, é exegese doutrinária a paridade de deveres do homem e da mulher. Acentua-se rara e restrita a fixação alimentar entre pessoas vinculadas pelo casamento ou pela união estável, pois prepondera a fórmula da independência financeira, devendo os pais unirem seus esforços e somarem os seus recursos na assistência, criação e educação de seus filhos menores. Já foi dito que há muito tempo deixou de viger aquela obrigação dirigida exclusivamente ao trabalho do marido[14], de quem era invariavelmente debitado o compromisso de manter seu grupo familiar, nele incluído um crédito quase que vitalício de sustento da esposa, enquanto fiel à memória das núpcias desfeitas. E aos filhos ele tinha a incumbência de assegurar a estratificação social e econômica, cunhada  durante a convivência familiar.

            Daí o professar de Eduardo de Oliveira Leite [15]de prevalecer a máxima da prestação alimentar haver deixado de surgir apenas pela posição de esposa, mulher ou mãe, passando isto sim, a decorrer única e exclusivamente da necessidade, onde em princípio os sexos já não mais diferenciam as pessoas e muito menos criam privilégios.

            O certo no entanto, é ter em linha de absoluta prioridade de consideração, o sentido primordial dos alimentos, como garantia de sobrevivência do credor alimentário.Impensável, possa a pensão alimentícia sofrer qualquer solução de continuidade, como inaceitável, possa a pensão ser alvo de artifícios, subterfúgios, simulações fáticas e recursos processuais, sempre destinados a fragmentar a resistência do alimentando, reduzindo-o pelo tempo e pelo desgaste a uma intolerável indigência.             Deixam estas tristes estratégias, profundas cicatrizes naqueles que pela incapacidade ou pelas circunstâncias, dependem constrangidamente, do contrariado auxílio material de seus próximos.

            O socorro alimentar quando não se apresenta espontâneo, faz surgir sua pretensão processual, por ação de alimentos, ou por demanda cautelar  de alimentos provisionais. O pleito alimentar pode vir cumulado com outros pedidos de caráter satisfativo, como a separação judicial, a dissolução de concubinato qualificado e, a investigação de paternidade. Os alimentos liminares, por sua importância, explica Yussef Said Cahali, [16]são fixados desde logo pelo juiz, em despacho fundamentado, mas sem maiores indagações de mérito.

            Pode ocorrer noutra hipótese, que os alimentos já estejam definitivamente regulamentados e, no entretanto, sua satisfação esteja emperrada pela maliciosa e injustificada inadimplência do devedor, cuja omissão obriga ao ingresso de processo executivo de alimentos, por uma das suas conhecidas modalidades de constrição patrimonial ou pessoal, quando impossível o desconto em folha de pagamento.

            7. Presunção e aparência.

            É pressuposto de indissociável consideração judicial na quantificação dos alimentos, sopesar o binômio possibilidade e necessidade, a importar na apreciação casuística de cada postulação alimentar, pois nesta seara inexistem regras e valores estanques de arbitramento processual da pensão alimentar. É fácil fixar os alimentos, pondera Paulo Lúcio Nogueira,[17]quando o requerido é funcionário público ou empregado de alguma empresa, pois com remuneração conhecida o magistrado ordena a incidência de desconto de certa percentagem sobre os ingressos financeiros do alimentante.

            Adverte contudo, que em se tratando de devedor comerciante, já se mostra prudente a promoção de perícia nos livros contábeis, para pesquisa dos reais rendimentos do sócio de empresa.

            Já no exemplo do profissional autônomo ou liberal, tem auxiliado a teoria da aparência, quando os sinais exteriores de riqueza contrastam com a alegação de rentabilidade acanhada.

            Deve o decisor considerar neste caso, sempre que for quantificar a obrigação alimentícia, não apenas os recursos que o devedor diz perceber mensalmente como comerciante, autônomo ou profissional liberal, senão também, os bens que integram seu patrimônio e a sua padronagem social, tudo interagindo com a sua reputação no mercado de trabalho, a infra-estrutura posta à sua disposição, a qualificação e o seu prestígio, como fatores que isolada ou conjuntamente, têm incontestável influência para a  probatória presunção de sua abastança.

            8. O delito de descumprimento do dever familiar de assistência.

            O artigo 244 do Código Penal Brasileiro comina com a pena de privação da liberdade aquele que deixar de prover à subsistência do cônjuge, filho, ascendente ou valentudinário, e nas mesmas penas incide, prescreve o parágrafo único do mesmo dispositivo penal, quem, sendo solvente, frustra ou elide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado do emprego ou função, o pagamento de pensão judicialmente acordada, fixada ou majorada. Também tipifica como crime contra a administração da justiça, o artigo 22 da Lei nº 5.478/68 (Lei dos Alimentos), quando o empregador ou funcionário público deixar de prestar ao juízo competente as informações necessárias à instrução do processo alimentar.

            É crime de abandono material, obtempera Paulo Lúcio Nogueira, [18]a vontade consciente e livre de não prover a subsistência de cônjuge ou filho menor de dezoito anos. A sanção penal do crime de abandono material, não se confunde com a sanção civil proveniente da execução da pensão alimentar. Tratam-se de medidas socialmente segregadas e que, portanto, se revelaram insuficientes para a proteção da família. Também na processualística civil tem demonstrado a diária realidade como são insuficientes e até ineficazes os recursos legais da penhora e da coação pessoal, destinados a proteger a família brasileira credora de alimentação.

            Retornando ao âmbito do Direito Penal, Júlio Fabbrini Mirabete [19]acrescenta que a lei incrimina nas mesmas penas, quem, de qualquer modo, ajuda o devedor a eximir-se ao pagamento de pensão judicial, embora entenda ociosa esta disposição por decorrência concursal do artigo 29 do Código Penal.

            De considerar diante destas admoestações penais que privam da liberdade quem dolosamente deixa de prestar o socorro alimentar ou quem com igual dolo ajuda a elidi-lo, existir um inderrogável interesse pela ordem pública do Estado.

            No entanto, nem sempre a melhor opção para forçar o pagamento dos alimentos passa pela ação penal de abandono material, e a advertência é dada por Caimmi e Desimone,[20]quando lembram que às vezes, longe de resolver o conflito, o agravam ao ponto da demanda penal converter-se num meio de vingança do alimentário e desencadear no alimentante um processo de descumprimento de toda e qualquer assistência material, perpetuando no tempo e pelas incertezas, a angústia de quem desassistido, já não encontrava resposta efetiva nos tradicionais meios de execução alimentar. Os tribunais brasileiros vêm reiterando decisões que evitem drásticas decisões em sede de assistência familiar, inclinando-se quando viável, pela execução menos gravosa ao devedor, pois a pena mais enérgica nem sempre resulta numa melhor escolha, principalmente quando priva da liberdade. 

            Conseqüentemente, é possível concluir que os instrumentos jurídicos postos pelo Direito Penal e pelo Processo Civil Brasileiro não têm sido suficientemente criativos e intimidatórios, enquanto for julgado que o atual Direito Comercial ainda permite decidir pela absoluta supremacia da personalidade jurídica sobre a pessoa física dos sócios que compõem uma empresa.

            9. Idoneidade do objeto social.

                        Para prevalência do preceito constitucional que assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica, as sociedades mercantis devem ter objetivo social lícito, que não ofenda à ordem pública e aos bons costumes. Colombres [21]define como objeto social o complexo de atividades que os sócios se propõem a cumprir sob um nome e tipo societário. O âmbito de atuação da sociedade não deve exceder aos limites demarcados pelo contrato estatutário do seu objetivo social, cuja mudança somente poderia ser operada pelo consenso dos sócios. Todos os sócios têm o dever de atuar nos limites da atividade social contratada, e cuidar para jamais operar e praticar atividades não compreendidas em seu objeto social. Muito menos desbordar para atos ilícitos, contrários ou nocivos ao bem público, à segurança e aos interesses do Estado e da coletividade. Tendo a sociedade comercial finalidade específica, delegada pela ordem pública, seus sócios devem pugnar por respeitar a licitude e idoneidade da atividade mercantil delegada, prescrevendo o artigo 339 do Código Comercial Brasileiro, a possibilidade de exclusão por justa causa, do sócio que atuar na contramão das obrigações societárias[22]. Como visto, têm os sócios o dever de controlar, fiscalizar e coibir o mau uso da sociedade por eles constituída[23].

            10. Abalo da ordem pública pela fraude ou pelo abuso.

            É voz corrente que as sociedades têm personalidade distinta da dos seus sócios, como também é  pacífico, lembra José Edwaldo Tavares Borba, [24] que aos sócios ou acionistas não é dado utilizar a pessoa jurídica como um instrumento para fins contrários à ordem pública.

            Entre a pessoa jurídica e a pessoa física de cada sócio, há uma indiscutível divisão de patrimônios e de responsabilidades, porém, esta limitação de responsabilidades está vinculada ao tipo societário eleito e registrado na Junta Comercial. Assim, dentro destes básicos princípios de sociedade jurídica, os credores da sociedade mercantil têm como lastro o patrimônio da empresa, que se diferencia dos bens particulares de seus sócios, existindo como antes visto, nítida e indiscutível separação patrimonial.

            Significa considerar que a pessoa jurídica adquire por recurso técnico, personalidade própria, com autonomia negocial apartada da de seus sócios, figurando a sociedade como titular de direitos e de obrigações, com capacidade de representação orgânica e legal. A impermeabilidade da personalidade jurídica, diz Efraín Hugo Richard, [25]dá estabilidade às relações jurídicas, enquanto não exercidas atividades que afrontam a ordem pública, onde o meio societário é empregado em objetivo alheio ao regular exercício do comércio, desviando suas funções, propósitos e objetivos societários.

            Referi noutro trabalho[26], que a personalidade jurídica precisa ser desconsiderada quando seus integrantes se escondem detrás da máscara jurídica, para atingir, pelo abuso de direito ou pela fraude, finalidades totalmente condenáveis e incompatíveis com o direito e com o objeto social, causando, sobretudo, incontáveis prejuízos a terceiros.

            Registra-se a fraude quando é alcançado um resultado proibido pela lei, ou cuja manipulação termina por contrariar seu sentido normativo, frustrando o resultado previsto na lei.

            Mas, assim como o direito repugna a fraude, também não ampara o abuso de direito, que tem lugar, segundo Ripert e Boulanger, [27]quando um ato ilícito é dissimulado sob a aparência do exercício regular de um direito[28].      

            O direito termina quando começa o abuso e abusa do direito quem excede os limites econômicos e sociais da pessoa jurídica, valendo-se pela fraude à boa-fé e, do desvio da finalidade societária, para manipular direito de outrem em benefício próprio, buscando livrar-se de obrigações legais, como pode suceder largamente no Direito de Família, na fuga ao dever de prestar alimentos.

            Assim, se a sociedade foi usada como forma abusiva de encobrir a responsabilidade pessoal de sócio, para prejudicar o credor deste sócio que não dispõe de patrimônio ou lastro capaz de garantir sua dívida, descortina-se o véu societário para afastar a fraude ou o abuso,em prestígio da regularidade e da segurança das práticas comerciais ,[29]mas, não-somente delas, e de igual, para a proteção de terceiros que se vêem impedidos de buscarem seus direitos pela superada sacralização da personalidade jurídica, agora relativizada pelo recurso à teoria da sua despersonalização.

            Maior relevo ainda, adquire a teoria da desconsideração da personalidade jurídica quando a fraude procurada perpetrar, ou o ato abusivo praticado sob o manto societário, busca prejudicar direito vinculado à dignidade da pessoa humana, como ocorre com o crédito alimentício, direito natural, sagrado, essencial à vida e à subsistência do alimentando. Cuida a ilícita atividade praticada sob a máscara da pessoa jurídica, de fraudar ou abusar o primeiro de todos os direitos, referente à tutela da existência física, mental e psicológica do credor pensional e, quando se trata de proteger a vida, fraudada pela via societária, a resposta judicial há que ser imediata, desritualizada, eficaz e corajosa. Há que vir desvestida de falsos dogmas, que, por vezes, só se prestam para defender equivocados interesses patrimoniais. É como sustenta Sessarego, [30]citando Dabin, de que há um número considerável de direitos que escapam a toda possibilidade de abusos e, o direito à vida, seguramente, está imune a qualquer artifício que tente, sob qualquer fórmula ou maquiagem, dar aparência de legalidade ao malicioso e criminoso abandono material, desestabilizando a ordem pública, querendo curvar a espinha dorsal que mantém o Estado.

            11. A teoria da disregard .

            Fábio Ulhoa Coelho [31]alinha o real sentido da teoria da desconsideração, quando adianta que em princípio, o credor do ente moral não pode pretender a satisfação de seu crédito no patrimônio individual de membro da sociedade. Pessoa jurídica e sócio têm autonomia patrimonial, só devendo ser superada a personalidade jurídica quando restar provado que o dano ao credor ocorreu de uso fraudulento ou abusivo da autonomia patrimonial, salientando que a teoria da desconsideração visa preservar e aprimorar a disciplina da pessoa jurídica, ao coibir o recurso da fraude e do abuso que podem ser praticados através dela.

            É ampla e produtiva a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Direito de Família[32], principalmente, frente à diuturna constatação  do cônjuge empresário esconder-se sob as vestes da sociedade mercantil [33]nas demandas conjugais. Sob o manto da personalidade jurídica verificam-se constantes fraudes à partilha patrimonial, no casamento e na união estável, assim como sob o véu societário oculta-se o empresário alimentante que guarda esta obrigação com seus filhos, com seu cônjuge ou companheiro, cujo credor não reúne recursos para prover sua subsistência pessoal.

            Em singular parecer publicado na Revista de Processo, Thereza Alvim [34]acresce que a teoria da desconsideração pode ser aplicada quando houver utilização abusiva da pessoa jurídica, com o intuito de fugir à incidência da lei ou de obrigações contratuais. O direito alimentar decorre de lei, ou de contrato, mas figura certamente, dentre a mais importante das obrigações.

           

            12. A disregard  nos alimentos.

             

            A teoria da despersonalização da pessoa jurídica tem sido largamente aplicada nas relações de Direito de Trabalho.[35] Para o empregado, o salário destina-se à sua manutenção e ao sustento da sua família, em identidade de princípio que inspira as demandas alimentícias, pois, salário e pensão garantem a sobrevivência, protegem o hiposuficiente. No Direito do Trabalho todos os instrumentos jurídicos são criativamente combinados e utilizados, para evitar que a manipulação da pessoa jurídica, com sucessão de sócios e sociedades, torne-se uma rota de fuga dos vínculos trabalhistas de nítida natureza alimentar. No compromisso alimentar decorrente do parentesco e das relações afetivas oriundas do casamento ou da união estável, também deve ser quebrada esta rigidez da separação da pessoa jurídica da pessoa física de seus componentes, nos casos relacionados com obrigação alimentar. Os mesmos instrumentos jurídicos da despersonalização da empresa precisam ser criativamente combinados e utilizados para evitar que a manipulação da pessoa jurídica, com a sucessão de sócios e sociedades e o trespasse de bens, resulte na mascarada insolvência do devedor alimentar.

            Alimentos reclamam rápidas e descomplicadas soluções, tanto na ação de alimentos ou sua revisão judicial, como na execução da pensão impaga. Diante da inconteste verdade de que a fome não espera e, nem é ela dotada de uma tolerância processual que aceite passiva e pacientemente, candentes e longas discussões processuais que acobertem o doloso delito de abandono material, resplandece a penetração da forma jurídica como eficaz instrumento de real e efetivo acesso ao crédito alimentar.

            Quando um devedor de pensão usa a via societária como escudo para cometer fraudulenta insolvência alimentar e transfere seus bens pessoais para uma empresa, ou simula a sua retirada desta mesma sociedade mercantil está com estes gestos contratuais de lícita aparência, causando imenso prejuízo ao seu dependente alimentar. A reação judicial nestes casos há de ser a da episódica suspensão de vigência daquele nefasto ato jurídico, desconsiderando a pessoa jurídica utilizada para fraudar o credor dos alimentos, sem intrincada necessidade de demonstrar a nulidade do ato jurídico de aparente validade, ou de acionar por via de simulação, empresas e sócios, com fôlego e recursos que o dependente alimentar não possui.

            Caimmi e Desimone [36] estão convencidos de que, os mecanismos que implicam na penetração das formas jurídicas são perfeitamente aplicáveis aos casos de fraude, onde o devedor procura livrar-se impune da sua obrigação pensional, valendo-se de manobras que simulam sua insolvência alimentar.

            Assim agindo, atualizada jurisprudência irá atender às superiores exigências de ordem pública, em confronto à prevalência meramente relativa, da supremacia da personalidade jurídica, pois esta sendo sujeito de direitos com alcance delimitado em lei, sua intangibilidade cede diante da ilicitude perpetrada pelo abuso ou pela fraude societária[37].

            Afinal, se o texto penal prescreve a responsabilidade criminal pelo abandono material de dependente alimentar, e nas mesmas penas incorre quem concorre para fraudar obrigação que diz com a vida da pessoa alimentária, certamente, será menos gravoso que pela noção de ordem pública presente no Direito Mercantil, valha-se o decisor do princípio da despersonificação da pessoa jurídica para que a obrigação alimentícia preserve os pilares sobre os quais se assenta a instituição familiar, espinha dorsal do Estado.

             

            13. Sua incidência processual.

            Villegas diz [38]existirem reiteradas decisões despersonalizando a pessoa jurídica das sociedades e, assim, aplicando diretamente aos sócios os efeitos das normas legais buscadas elidir. E, com efeito, que seria impossível procurar esgotar as possíveis hipóteses de processual incidência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica[39], num campo bastante vasto como acontece com os alimentos, um dos institutos mais presentes nos processos relacionados com o Direito de Família, onde seguido pesam sentimentos de ódio e ressentimentos, razões tidas como suficientes para aliviar gastos e fugir de responsabilidades que têm na sua essência sérios efeitos sócio-familiares.

            São inesgotáveis as manobras direcionadas a dissimular o arbitramento judicial de uma obrigação alimentícia que deve guardar por disposição legal, alguma mínima coerência com as possibilidades financeiras daquele que está obrigado a pensionar, assim como são ricas  e pródigas as condutas societárias que procuram impedir o cumprimento executivo de um acordo ou de uma sentença alimentar judicial, diminuindo ou desaparecendo com o recurso da personalidade jurídica, com o conjunto patrimonial [40]. Na tutela executiva, relatando o recurso de apelação nº 598082162 [41] interposto por Expresso Itaquiense Ltda, contra a sentença que rejeitou os embargos de terceiro por ele opostos à execução de alimentos ajuizada por R.J. contra P. M.T., a Desa. Maria Berenice Dias decidiu adotar a disregard doctrine  , admitindo a constrição de bens titulados em nome da pessoa jurídica para satisfazer o débito de alimentos.

            14. A despersonalização ativa.

            É caudalosa e escandalosa a gama de fraudes possíveis de perpetrar no fértil terreno do uso abusivo da personalidade jurídica para fraudar e, assim, destruir todas as normas legais e os comandos jurídicos postos à disposição do dependente alimentar na busca do seu exato crédito de alimentos, tão essencial à sua sobrevivência. Contudo, é doloroso deparar com devedores servindo-se da forma societária em seu único benefício, valendo-se do arguto argumento da legal separação de patrimônios entre a sua pessoa física e, a pessoa jurídica da qual figura como sócio, exatamente, para buscar um resultado contrário ao direito do seu credor alimentar.

            Na doutrina da despersonalização não é desconhecida esta distinção de pessoas, existente entre a sociedade e os seus sócios, e nem a  estrutura de divisão patrimonial. Sucede com a doutrina da desestimação da pessoa jurídica, que não lhe importa o desconhecimento de todos os efeitos da personalidade societária,senão a inoponibilidade e ineficácia de determinados efeitos provenientes do uso exorbitante de seu objeto social, em prejuízo alheio. Desimportam as atividades licitamente realizadas pela sociedade, mas, cabe buscar os atos abusivos daquele sócio que se escondeu sob a máscara jurídica para causar dano a terceiro que é seu credor, sem que este precise recorrer às vias jurídicas da simulação, revogação, e outras tantas complicadas ações de nulidade e anulação de atos jurídicos decorrentes do uso abusivo do meio técnico da personalidade jurídica.

            Dentre as múltiplas aplicações da teoria da despersonalização, caso clássico pode ser vislumbrado nas ações de alimentos ou de sua revisão processual, esta, representada por demanda que busca a majoração judicial da primitiva e defasada pensão, baseado no aumento de fortuna do alimentante, em sintonia temporal com o crescimento das necessidades do alimentário, a justificar o ingresso da ação revidenda.

        O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua 8ª Câmara Cível, na Apelação Cível nº 590092128 empregou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em ação revisional de alimentos ajuizada pelo filho menor contra o pai, em situação onde o acionado dissimulara sua condição de sócio majoritário de uma empresa de informática, ao transferir depois de sua separação judicial, 99% das quotas do capital social para interposta pessoa. Com este estratagema o réu contestou a ação revisional dizendo não ser o sócio majoritário, mas sim, um mero prestador de serviços à sociedade, cujas quotas eram detidas pela genitora de sua segunda mulher.

            Com a procedência da ação o réu apelou, reeditando deter somente 1,00 % do capital social da empresa. Em seu voto o relator Des. Clarindo Favretto sustentou ser evidente que o artigo 20 do Código Civil não permitia confundir a pessoa jurídica com as pessoas físicas dos membros que compõem a sociedade e nem seus respectivos patrimônios. Contudo, quando a pessoa física procura se ocultar por trás das aparências da pessoa jurídica, há que se delir essa ficção, desconsiderando-a.[42]

            Deste modo, sem anular o contrato social que registrava minoria societária do devedor alimentar e, sem também dissolver qualquer destas estratégias de notória fraude usadas pelo obrigado alimentar para fugir à revisão dos alimentos, tratou o tribunal de ignorar a invocação processual da técnica societária e imputar ao apelante uma pensão majorada pela convicção de que era ele um oculto sócio majoritário.

            Existe um rico e inesgotável catálogo de expedientes societários indevidamente utilizados no malicioso afã de iludir obrigações conjugais e de parentesco, nele incluído o artifício de transferência do patrimônio particular do devedor alimentar para o patrimônio de empresa onde figura como sócio, causando pelo esvaziamento de seu privado lastro patrimonial,  fraudulenta insolvência alimentar, que assim procura servir de obstáculo à cobrança executiva de pretéritas pensões.

            Nesta hipótese a aplicação da doutrina de despersonalização faz com que os atos do sócio sejam atribuídos à sociedade, permitindo sejam alcançados os bens desviados para dentro da sociedade jurídica. Em requerimento promovido no ventre de processo de execução de alimentos dirigido contra a pessoa física do devedor pensional, confere o juiz a penhora de bens por ele transferidos para uma sociedade mercantil da qual participa como sócio, tal como concedeu o Tribunal de Justiça do Estado do RGS, no Agravo de Instrumento nº 598045185, da 8ª Câmara Cível, que requerera a penhora de veículo importado, transferido do patrimônio particular do devedor alimentar para uma holding que ele constituíra no Uruguai.

            Procedem neste aspecto, as conclusões trazidas por Efraín Hugo Richard e Orlando Manuel Muiño [43], de que na teoria da penetração da pessoa jurídica não é necessário imputar um ato a uma pessoa, senão, saber quem é o responsável por este determinado ato ou por sua abstenção, e estes que aparecem como terceiros, sócios ou sociedades, são responsabilizados pelo abusivo uso da forma societária.

           

            15. A despersonalização ativa inversa.

           

            É com prudência e excepcionalidade que o juiz deve aplicar a teoria da penetração da personalidade jurídica, já que seu uso desmensurado pode levar a desestimar a estrutura formal das sociedades, trazendo para o direito a incerteza e a insegurança das relações jurídicas.[44] Portanto, poderia causar natural desconforto a alegação de que pela penetração da máscara societária, seria possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo pagamento mensal da prestação alimentar.

            Julio Alberto Díaz [45]questiona esta possibilidade, ao inquirir se não seria possível conceber "a existência de um abuso da personalidade física, quando o sujeito visa, através da utilização do ente moral, mais ou menos fictício, fugir das responsabilidades que lhe competem."

            De fato, pelo mau uso da sociedade, a teoria da penetração da pessoa jurídica permite imputar a responsabilidade em ambas as direções, da sociedade ao sócio, ou do sócio à sociedade . [46]

            Considere-se numa execução de alimentos provisionais arbitrados pela riqueza externa do alimentante comerciante, que de principal sócio de sólida empresa, dela retira-se mediante alteração contratual de transferência das suas quotas, não mais mantendo por documentos, qualquer vínculo social, muito embora, prossiga administrando a empresa por procuratório outorgado por seu atual sucessor .

            Sem bens particulares e sem participar da sociedade que de absoluta má-fé o auxilia na montagem desta encenação societária, vale-se o executado em juízo, do recurso técnico de que já não é  empresário e que se encontra em indigência financeira que o inviabiliza de pagar as pensões em atraso. Talvez a solução deste obstáculo contratual esteja escorada na aplicação processual e episódica, da teoria inversa da desconsideração da personalidade jurídica da empresa mercantil que o acoberta simulando seu afastamento da sociedade, não obstante as evidências desmintam a trama arquiteta para esconder do quadro social o devedor alimentar. Ora, nada mais acertado do que atribuir à sociedade que se desvirtua de seu objeto social a titularidade passiva da obrigação alimentar do sócio que ela  esconde sob a sua máscara societária. Sucede a empresa que se vale da fraude ou do abuso, no dever de pagar as prestações mensais dos alimentos, enquanto persistir a trama entre eles engendrada para prejuízo do credor. Sobre esta solução Otaegui [47]consigna que "a precedência da separação entre a sociedade e os sócios leva tanto a que os credores da sociedade tenham possibilidade de dirigir-se contra o patrimônio dos sócios, como a que os credores de um destes possam dirigir-se contra o patrimônio da sociedade."

            Sendo legítimo desconsiderar a pessoa física e considerar  o ente social como responsável frente aos terceiros não componentes do grupo, como sugere Julio Alberto Díaz[48]. Cuida-se da despersonalização inversa, que capta a autêntica realidade que se oculta atrás da personalidade societária, onde sócio e sociedade se associam no propósito de encobrir a obrigação alimentícia do devedor executado, olvidando-se ambos, que excedem o objetivo social e com afronta à ordem pública, elidem criminosamente o direito alimentar que busca assegurar a vida, como o mais importante de todos os direitos. Na ação de separação judicial litigiosa nº 01291069282 que tramitou pela 1ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, o juiz monocrático enfrentou em sentença, a questão do afastamento meramente formal do réu, da sociedade comercial que até as vésperas da sua separação judicial era por ele dirigida. Em sua decisão o juiz singular destacou a simulação do afastamento do réu da direção da empresa G.A.J., aduzindo ser "caso típico, em tese, de exigir da pessoa jurídica o pagamento alimentar que o réu insiste em não poder fazer, pela aplicação da teoria da despersonalização da pessoa jurídica."

            A prova demonstrou que o réu continuava à testa da sociedade, tanto que ele próprio, não resistindo às evidências da prova que teimava em registrar sua diuturna presença nos escritórios do estabelecimento, tentou justificar-se com a alegação de que costumava comparecer na sociedade "para inteirar-se da situação da empresa" .

            Portanto, se é crime contra a administração da justiça, punível com a privação da liberdade, concorrer livre e conscientemente para elidir o pagamento de pensão alimentar, ao deixar de prestar ao juízo competente as informações necessárias à instrução do processo alimentar, certamente, não deixará de ser menos punível a atitude da empresa que concorre para elidir o pagamento do débito alimentar de um de seus sócios, aceitando simular sua formal retirada da sociedade, muito embora ele prossiga de fato, à testa das suas primitivas funções e encargos societários. Ora, se através da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, as pessoas jurídicas podem ser penalmente responsabilizadas, sem prejuízo da imputação de seu representante legal, com maior coerência ainda, e isto mostra com clareza Sérgio Salomão Shecaira [49]que : "não se pode deixar de reconhecer que as pessoas jurídicas podem - e têm- decisões reais "  , e se a sua admoestação tem severa conseqüência econômica e delituosa, não há razões verdadeiramente sérias para deixar de imputar a responsabilidade coletiva, e atribuir à sociedade o pagamento da pensão que ela ajuda a elidir.

       

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[1]SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional positivo , 8ª edição, Malheiros Editores, 1992, p.182.

[2]BOSSERT, Gustavo A., Régimen jurídico de los alimentos , Editorial Astrea, 1993, p.1.

[3]VARELA, Antunes, Direito da Familia , Livraria Petrony, 1987, p.37.

[4] Eduardo de Oliveira Leite, Famílias monoparentais , Revista dos Tribunais, 1997, 1ª edição, p.22, diz que "uma família é definida como monoparental quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças."

[5]SLAIBI, Nagib Filho, Anotações à Constituição de 1988 - aspectos fundamentais , Editora Forense, 2ª edição, , 1989, p.192.

[6]PAVON, Cirilo, Tratado de la familia en el Derecho Civil Argentino, Tomo I, Editorial Ideas, 1946, p.33.

[7]COELHO, Fábio Ulhoa,  Curso de Direito Comercial , Editora Saraiva, vol. 1, 1998, 1ª edição, p.9.

[8]ZALDIVAR, Enrique, Cuadernos de derecho societario, aspectos juridicos generales , Abeledo-Perrot, vol. I, 1980, p.32.

[9]BITTAR, Carlos Alberto, citado por Rolf Madaleno, em artigo intitulado de Alimentos e sua restituição judicial , inserto no livro Direito de Família, aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora, 1998, p.47.

[10]DIEZ- PICAZO, Luis y  GUILLON, Antonio, Sistema de Derecho Civil , Editorial Tecnos, vol. IV, 1978, p.53.

[11]GÓMEZ, José Antonio Cobacho, La deuda alimenticia , Editorial Montecorvo, 1990, p.26.

[12]CARRIL, Julio J. Lopez del, Derecho y  obligacion alimentaria, Abeledo-Perrot, 1981, p.81.

[13]Ver em Rolf Madaleno,  Direito de Família, aspectos...., ob. cit., p. 51:"Assim, em síntese, existe dever alimentar relativo entre os cônjuges e de parentes distanciados em grau da sociedade doméstica e viceja uma obrigação alimentar irrestrita, quando cuida de dar sustento, educação, saúde, lazer e formação aos descendentes, enquanto sob o pálio do pátrio poder."

[14]Destaca Iara de Toledo Fernandes, Alimentos Provisionais , Saraiva, 1994, p.165, em nota de rodapé nº 86, trecho de aresto do Ministro Rodrigues Alckmin, onde expressa sua contrariedade ao indistinto crédito alimentício da mulher que se separa, como se estivesse sempre habilitada à reparação das núpcias rompidas por obra exclusiva do esposo, embora propugnasse pela irrenunciabilidade dos alimentos, como era do suplantado interpretar da Súmula 379 do STF, ao dizer então, que: "Realmente, não se compreende mais, dadas as condições sociais em que vivemos, que abriram à mulher oportunidade de exercício de toda e qualquer profissão, que se imponha ao marido, após a dissolução da sociedade conjugal, a obrigação de sustentá-la, quando é certo que essa obrigação é uma decorrência dessa sociedade."

[15]LEITE, Eduardo de Oliveira, Os alimentos e o novo texto constitucional , em texto inserto na obra "Direito de Família Contemporâneo, coordenado por Rodrigo da Cunha Pereira, Editora Del Rey, 1997, 1ª edição, p.

[16]CAHALI, Yussef Said, Dos alimentos , 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1993, p.670.

[17]NOGUEIRA, Paulo Lúcio, Lei de Alimentos comentada (doutrina e jurisprudência) , Editora Saraiva, 4ª edição, 1994, p.23.

[18]NOGUEIRA, Paulo Lúcio, Lei de alimentos..., ob. cit., p. 67. Ainda sobre a aplicação da sanção penal,  em 1961, na segunda edição de sua  obra -  Dos alimentos no Direito de Família , advertia José Claudino de Oliveira e Cruz, p.394, que esta sanção penal não vinha sendo levada a sério, ponderando por mais rigor, para que seu escopo  de proteção da família pudesse  combater a violação dos deveres relativos à assistência familiar.

[19]MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal , 3º volume, Atlas, 1996, 9ª edição, p.71.

[20]CAIMMI, Luis Alberto & DESIMONE, Guillermo Pablo, Los delitos de incumplimiento de los deberes de asistencia familiar e insolvencia alimentaria fraudulenta , 2ª edición, Editora Depalma, 1997, pp.8-9.

[21]COLOMBRES, Gervasio R., Curso de Derecho Societario , Abeledo-Perrot, 1972, p.113.

[22]"Sociedade Comercial. Exclusão de sócio. Art. 399 do Código Comercial. Razoável é o entendimento de que a exclusão de sócio, por justa causa, nos termos do art. 339 do Código Comercial, sem previsão em cláusula contratual, e sem anuência do sócio, reclama solução judicial, pois equiparável à dissolução parcial da sociedade inter nolentes " (RTJ, 118/400  J.X.Carvalho de Mendonça em seu Tratado de Direito Comercial Brasileiro , Livraria Freitas Bastos, 1954, vol. III, 5ª edição, p.146., observa que "Razões, entretanto, podem haver, em vantagem da sociedade e dos sócios, que aconselhem a retirada ou despedida de um destes."

[23]O Projeto do Novo Código Civil, aprovado pelo Senado Federal, procura regulamentar a desconsideração da personalidade jurídica, em seu artigo 50, quando estabelece que: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

[24]BORBA, José Edwaldo Tavares, Direito societário , 2ª edição,  Livraria Freitas Bastos, 1995, p.40.

[25]RICHARD, Efraín Hugo, Reformas al Codigo Civil  - negocios de participacion, asociaciones y sociedades, Alfredo-Perrot, Tomo 9, 1993, p.157.

[26]MADALENO, Rolf, A disregard na sucessão legítima , in Direito de Família, aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora, 1998, 1ª edição, p. 121.

[27]Ripert y  Boulanger, Tratado de Derecho Civil. según el Tratado de Planiol , t. I, parte general, p.477, nº 672, Editora La Ley, 1963.

[28]Sem paralelo no Código Civil do começo deste século XX, encontra clara conceituação no Projeto do novel Código Civil, precisamente em seu artigo 187, a rezar que "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos  pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

[29]HENTZ, Luiz Antonio Soares, Direito empresarial , LED Editora de Direito, 1998, p.138.

[30]SESSAREGO, Carlos Fernández, Abuso del derecho, Editora Astrea, 1992, p.170.

[31]COELHO, Fábio Ulhoa,  O empresário e os direitos do consumidor , Editora Saraiva, 1994, pp.214/225.

[32]MADALENO, Rolf,  A  disregard no  Direito de Família , in Direito de Família, aspectos polêmicos,  ob. cit., p.27.

[33]Tem sido observado um crescimento acentuado na jurisprudência brasileira, no que respeita a aplicação da teoria da disregard no Direito de Família, Vale ilustrar com a Ap.Civ. nº 597085687 da 7ª CC do TJRGS e assim ementada:"Separação Judicial. 1. Apelação Cível. reconhecida a culpa do varão, por haver dissipado bens do casal com o intuito de prejudicar a meação da esposa, simulando venda de quotas da sociedade comercial, em que eram sócios os separandos, deverá o réu repor àquela a parte que lhe cabia. O objeto da lide, então, não é a totalidade dos bens dos cônjuges, mas a meação da mulher nos bens sonegados ou desviados, razão porque sobre esta deve recair o ônus sucumbencial...."  Foi Relator o Des. Eliseu Gomes Torres, participando do julgamento os Des. Sérgio Gischkow Pereira e a Desa. Maria Berenice Dias.

[34]ALVIM, Thereza,  Aplicabilidade da teoria da desconsideração da pessoa jurídica no processo falimentar , in Revista de Processo, nº 87, Editora Revista dos Tribunais, p.212.

[35]"A  CLT consagra o princípio da despersonalização do empregador e, assim, o empregado vincula-se à empresa, cabendo ao sucessor a responsabilidade pelo ônus trabalhista, facultando o direito de ação regressiva, no foro competente, contra o sucedido. Antes de operada a sucessão, responde pelos débitos laborais quem estiver à frente da empresa." Ac. TRT 8ª Reg., Rel. Juiz Arthur Francisco Seixas dos Anjos, extraído do livro Sucessão de empresa , da autoria de Gilberto Gomes, da Ltr, 1994, p.39.

[36]CAIMMI, Luis Alberto & DESIMONE, Guillermo Pablo, ob. cit., p.23.

[37]A 8ª Câmara Cível do TJRGS aplicou a teoria da disregard no  Mandado de Segurança nº593116601, com esta ementa:"Mandado de Segurança. Aplicação da doutrina do disregard. Em se  tratando de empresa em que o controlador tem quase o poder absoluto sobre elas, por ser sócio majoritário, e com a família ainda é sócio majoritário, ao juntarmos as suas quotas, pode ser confundida a pessoa jurídica com a pessoa física dele, eis que, se entendermos que há intangibilidade dos bens da empresa, por se tratar de uma pessoa jurídica, estaremos atingindo, por via oblíqua, a meação da mulher, ao permitir que esses bens sejam alienados e, assim, seja esvaziado o capital das empresas. Concessão parcial da ordem, para restaurar a segunda decisão proferida pelo juiz, que mandou averbar o ingresso da ação à margem de todos os bens das empresas, por maioria."

[38]VILLEGAS, Carlos Gilberto, Derecho de las sociedades comerciales , 7ª edición, Abeledo-Perrot, 1994, p.46.

[39]Teresa Arruda Alvim Wambier observa com muita perspicácia em seu artigo intitulado - "A desconsideração da pessoa jurídica para fins de partilha e a prova dos rendimentos do cônjuge-varão, na ação de alimentos, pelo nível da vida levada por este " , inserto na Obra "Direito de Família, aspectos constitucionais, civis e processuais", coordenado por ela - Teresa Arruda Alvim Wambier e Alexandre Alves Lazzarini, 3º volume, Editora Revista dos Tribunais, p.182, quando diz que : "Ao que parece a teoria da desconsideração da pessoa jurídica é perfeitamente compatível com o sistema jurídico brasileiro. As dificuldades surgem, todavia, e não são poucas nem pequenas, quando se pensa em como aplicá-la, principalmente no plano do direito de família. Nesse sentido, não há como deixar de reconhecer as dificuldades imensas com que se tem de defrontar o intérprete operador do direito para operativizá-la. "

[40]Na Apelação Cível nº 597135730, da 7ª Câmara Cível do TJRGS, julgada em 03.12.97, o seu relator - o Des. Eliseu Gomes Torres aplicou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao arbitrar alimentos de doze salários  mínimos, mais despesas de moradia e saúde, à esposa de empresário que de forma fraudulenta, diz em seu voto - quando já visualizava a separação do casal, "doou"  sua participação societária na R. Engenharia ao seu pai, numa intenção inequívoca de impossibilitar qualquer pensionamento digno à apelada, porque, a partir daí, passou a sustentar diminuição nas suas condições econômicas." 

[41]Com a seguinte ementa: "Embargos de Terceiros. Execução de Alimentos. Descabe escudar-se o devedor na personalidade jurídica da sociedade comercial, em que está investindo todo o seu patrimônio, para esquivar-se do pagamento da dívida alimentar. Impõe-se a adoção da disregard doctrine , admitindo-se a constrição de bens titulados em nome da pessoa jurídica para satisfazer o débito. Apelo improvido." 7ª CC, em decisão unânime, cujo aresto é datado de  24 de junho de 1998. Relata no corpo deste acórdão que: "A conveniência de sua utilização no âmbito do Direito de Família já foi abordado por Rolf Madaleno, em artigo intitulado A disregard no Direito de Família , publicado na Revista Ajuris, nº 57, pp.57/66: ..."Como noticiado pelo executante, ora apelado, nos autos apensos, não há quaisquer bens em nome do executado como pessoa física, ao passo que a pessoa jurídica que ele integra possui vários bens, além dos dois caminhões constritados. Nesse passo, não se pode ter como absoluta a autonomia da pessoa jurídica, utilizada aqui com o evidente intento de esquivar-se do encargo alimentar, sob pena de obstaculizar-se a satisfação do crédito do alimentado. Sendo o executado detentor de 50% das quotas de capital social da empresa embargante, e noticiado que o patrimônio social se constitui de vários bens além dos que foram objeto de penhora, nada impede que tais sejam constritos para satisfação da dívida exeqüenda, o que vai ao encontro do ideal de justiça que tanto se persegue."

[42]Ap.Civ. nº 590092128 da 8ª CC do TJRGS: "Alimentos. Ação Revisional. Aptidão da Pessoa Física, titular da Pessoa Jurídica, para pensionar. A Teoria da Personalidade (art. 20 do Código Civil). Desconsideração. A transferência de quotas sociais, do sócio quase absoluto de empresa, para o nome de sua sogra, em evidente fraude à Lei de Alimentos, é ineficaz em face do credor. Sentença confirmada."

[43]RICHARD, Efraín Hugo & MUIÑO, Orlando Manuel, Derecho societario , Astrea, 1998, p.751.

[44]RICHARD, Efraín Hugo & MUIÑO, Orlando Manuel, ob. cit., p.757.

[45]DÍAZ, Julio Alberto, Responsabilidade coletiva , Editora Del Rey, 1998, p.150.

[46]RICHARD, Efraín Hugo & MUIÑO, Orlando Manuel, ob. cit., p.753.

[47]OTAEGUI, Julio C., Inoponibilidad de la personalidad jurídica, in Anomalias societarias, Editora Advocatus, p.106.

[48]DÍAZ, Julio Alberto, ob. cit., p.151.

[49]SHECAIRA, Sérgio Salomão,Responsabilidade penal da pessoa jurídica, Editora Revista dosTribunais, 1ª edição, 1998, p.148.