A ação monitóri no Direito de Família

Autores: Rolf Madaleno

           A AÇÃO MONITÓRIA NO DIREITO DE FAMÍLIA                                                                                           Rolf Madaleno *    

Sumário:1. Dissolução judicial de vínculo conjugal. 2. Dissolução judicial de vínculo concubinário. 3. Acordos e decisões de conteúdo econômico das dissensões afetivas. 4. Autonomia de vontade. 5. Processo executivo de acordo ou de decisão judicial no juízo familiar. 6. Título executivo.7. Liquidez, certeza e exigibilidade do título executivo. 8.  A tutela monitória. 9. Sua contribuição no Direito de Família. 10. Conclusão.         

      1.     Dissolução judicial de vínculo conjugal.                     Dois caminhos são invariavelmente trilhados para oficializar a dissolução judicial de uma união afetiva heterossexual que, tempos antes, com maior ou menor carga de felicidade, fora constituída pela via formal do matrimônio civil, ora ornado pela sacra cerimônia do casamento religioso, ou pela opção informal da união da estável, que parece, adquire sólida identidade na sociedade brasileira, motivada por razões de convivência pessoal, por barreiras de ordem legal e cultural e, freqüentemente por dificuldades de estrutura social e econômica.                   Alenta retratar que a realização destas sociedades afetivas não gera a mais remota dependência cultural do rito escolhido para selar os vínculos conjugais, pois amor e intensidade, desejo e esperança sempre são compensados quando caminham na mesma direção.                   E, por seu turno, quando se vai no encalço inverso, o da dissolução da parceria conjugal, porque paixões, e primitivos projetos de outrora perderam o seu encanto e a sua primitiva motivação, cedendo espaço para a caça do suposto culpado pela separação, num frustrado cenário de ruptura, também é preciso eleger uma, dentre as das duas formas jurídicas de extinção do casamento civil ou de dissolução do concubinato.                   A tramitação processual oferece as opções da separação judicial amistosa, para casamentos que certifiquem pelo menos dois anos precedentes de convivência conjugal, ou, quando, além de ausente esse pressuposto temporal, o processo separatório ainda se ressente da vontade pessoal de um, ou de ambos os cônjuges, para encerrar a sua história nupcial por petição conjunta de separação, restando aos consortes desavindos, a penosa e traumática opção da demanda contenciosa de dissolução do seu casamento.     2.     Dissolução judicial de vínculo concubinário.                      Para os concubinos o direito processual produziu depois de exaustiva construção jurisprudencial e guardadas as suas tênues particularidades, duas idênticas formas jurídicas de ruptura da união estável. É inquestionável a onda de sérias críticas deitadas contra a fúria estatal, que teima em regulamentar o concubinato, com leis incompletas surgidas de afogadilhos, no rastro da vigente Carta Política. João Baptista Villela é uma das abalizadas vozes da doutrina brasileira, que se rebela contra o monopólio do Estado ao arvorar-se do direito de impor regras que agora precisam ser acionadas para rescindir o relacionamento estabelecido entre companheiros e, se antes, cada um seguia livre no seu rumo, agora precisam buscar o aval da extinção judicial.[1]                   Por sorte, parece existir uma vantagem processual em relação aos processos de dissolução do concubinato, no que estaria se diferenciando do tratamento dispensado à separação judicial, aonde seguem sendo pesquisadas durante um certo lapso de tempo, as causas que teriam levado ao malogro da sociedade conjugal. A tendência na instituição matrimonial é a de afastar o decadente exame da culpa, já abolida pelas modernas legislações, priorizando a ruptura do casamento pela simples incompatibilidade dos cônjuges, o pelo mero decurso do tempo de separação de fato. Para essas legislações de notório avanço na desritualização das rupturas conjugais, já traumáticas por sua carga emocional, prevalecem os princípios da informalidade, como na dissolução do  concubinato, apenas certificando o fato consumado, em sadia superação dos velhos desígnios afirmando que cônjuges não dispunham da livre iniciativa na busca de sua separação. Tempos onde a culpabilidade era o critério legal, por excelência, para término oficial das núpcias. E para cônjuges que se julgavam  as mais tristes vítimas do sofrimento de uma separação, nada mais reconfortante que uma sentença judicial pesquisando e censurando os atos faltosos do consorte culpado pela separação.                   Ainda à despeito da culpa, a lenta e desgastante pesquisa que tenta focalizar em juízo um cônjuge inocente e o outro culpado, só desserve à celeridade e à eficiência da prestação jurisdicional, prestando-se apenas aos mesquinhos interesses de um dispensável revanchismo conjugal.[2]                   Gustavo Tepedino explica que a interferência tão enraizada da culpa na cultura brasileira, decorre do seu sagrado valor como instituição voltada às realizações das pessoas como indivíduos sociais – romper a sociedade conjugal, era sinônimo de fracasso, independentemente do relevo  das causas subjetivas que teriam motivado a quebra da relação conjugal.[3]                   Por sorte, embora acentuada a divergência doutrinária no tocante à pesquisa da culpa na dissolução da união estável, parece que não obteve adesão suficiente para ser aplicada num tráfego puramente analógico dentro da dissolução da união estável. Muito embora, o exame processual da responsabilidade causal encontre boa acolhida no efeito meramente material da pensão alimentícia, a ser porventura, arbitrada entre concubinos, no regime civil do casamento a culpa segue sendo obstinadamente pelejada, para que sentença judicial condene ao desterro moral e ao abandono material, o cônjuge responsável pela desquitação.                    Sérgio Gischkow Pereira sugere uma minimização no equacionamento da culpa, [4] enquanto Villela tem posição direcionada para a completa dispensa do exame da culpa na separação concubinária, pois seria postura de vitória para o casamento e também para o concubinato, pois ambas as instituições ficariam desatreladas da equívoca idéia de fazer depender o direito aos alimentos da boa conduta de quem os reclama e não de sua necessidade. [5]

                   Enfim, estreme de dúvidas que a culpa ficou fora dos processos judiciais de ruptura de concubinato, embora pródiga a jurisprudência na aplicação por similitude dos demais princípios do Direito de Família brasileiro. À luz dessas considerações, surge nesse cenário jurídico trazido pela vigente Carta Política,  atrevida legislação, propondo-se a servir como verdadeiro Estatuto do Concubinato, com a tarefa de regular os efeitos típicos de sua dissolução, já adequados à processualística brasileira, pela via da dissolução amistosa da união estável, ou através de uma versão litigiosa.

   3.     Acordos e decisões de conteúdo econômico das dissensões afetivas.                       Prescreve o art. 1.025 do Código Civil, ser lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante mútuas concessões, quer dizer, chegar a um acordo, formular uma transação jurídica, podendo ser na forma pública quando assim for exigido pelo ato do qual versa, ou formulada em juízo por petição escrita dos transigentes, se não o for por termo nos autos, quando ditada em audiência pelo juiz e assinada pelas partes e seus advogados.[6]                   A transação resolve controvérsia jurídica em torno de obrigações  disponíveis, excetuados direitos personalíssimos indisponibilizados às partes, ou coisas postas fora do comércio, segundo a arguta observação de Carlos Bittar, quando refere cometer ao magistrado na transação judicial, homologar este acordo que vale como coisa julgada e que somente se desfaz por dolo, violência ou erro essencial quanto à pessoa ou à coisa.[7]                   Não são vetadas transações sobre matéria matrimonial e nem refoge ao tema, qualquer acordo pertinente à união estável, até porque, existindo e à saciedade, litígios judiciais entre cônjuges e concubinos, seria incoerente privar os cônjuges e conviventes de um meio eficaz e menos dramático de solver seus litígios.                    Diez-Picazo e Gullon confirmam a autoridade de coisa julgada sobre a transação, que representa uma sentença que as partes dão a si mesmas para resolver o conflito que as separa. Homologado o acordo, fica proibido rediscutir a mesma controvérsia ante o Judiciário, embora nada impeça que as partes recorram ao Órgão Judicial para que a transação se cumpra, através da sua execução.[8]                   Portanto, conciliando ou transacionando, é certo que os transatores dirimiram os seus conflitos e se essa composição se deu no âmbito judicial, como é da essência e da validade dos ajustes na órbita do Direito de Família, cumpre ao decisor homologar judicialmente este acordo que passa a ser título executivo judicial.                   Por fim, inocorrendo qualquer acordo entre o casal em liça, entre os atos decisórios do juiz presidente do processo separatório está a sentença, o ato jurisdicional magno, como diz Bellinetti,[9] porque a sua finalidade quando extinto o processo com julgamento de mérito, é compor o conflito de interesses e estabelecer certeza onde até então reinava incerteza.[10] Enfim, visa o decisor com a sentença judicial de fundo, encerrar o mérito do conflito conjugal, onde ânimos exaltados impediram que os litigantes buscassem uma solução amigável para os seus desencontros afetivos.                   Desse modo, sentenças proferidas no processo civil e que contenham prestação exigível de entregar coisa, de fazer ou de não fazer, ou de pagar quantia, complementa Zavascki[11] – são considerados títulos executivos.                                

4.     Autonomia de vontade.

                     Livres e isentos de quaisquer limitações, assim deveriam  ser apresentados os acordos judiciais lavrados no âmbito geográfico do Direito de Família. Na atualidade, resulta totalmente contraditório que cônjuges ou concubinos, quando procuram o Poder Judiciário para término de seus relacionamentos, possam sofrer alguma limitação de direito, capaz de lhes retirar a verdadeira autonomia de que goza, induvidosamente, a remodelada instituição familiar. Mauricio Mizrahi aponta inquietação doutrinária, ante o dilema de saber se ainda existem razões de peso, que avalizem e justifiquem a proteção do agrupamento familiar moldado em estruturadas que ainda não venceram conceitos estanques de chefia e provedoria eminentemente masculina.[12] A cultura conjugal preparada para o novo milênio, deve priorizar a autonomia das pessoas e vedar cada vez mais a intervenção estatal. Muito próximo da quase absoluta neutralidade, o Estado deve interferir tão-somente, como guardião da ordem pública matrimonial, em três esferas de valores, a saber: a) à proteção dos direitos e interesses de terceiros, como o são os direitos dos filhos enquanto incapazes; b) a preservação da dignidade humana, que se constitui noutro limite ao princípio da autonomia pessoal; e por fim, o que Mizrahi denomina como sendo c) a cultura e as margens de aceitação da coletividade, externando verdadeiras regras consagradas pela cultura social, que já marcham compactas no compasso dos tempos, repugnando à sociedade, qualquer tentativa de violação, como a proibição do incesto.[13]                    Trata-se portanto, de uma revisão daqueles conceitos estacionados no tempo, de um Direito de Família avesso à renúncias e com escassa margem de negociação. Direitos familiares ditos indisponíveis e intransmissíveis, por se encontrarem visceralmente ligados à proteção moral e social da família. Como explica Varela,[14] - os direitos de família além de serem obrigatórios quanto ao seu exercício, são irrenunciáveis, quer por abdicação ou convenção dos sujeitos da relação, ao contrário do que ocorre com o direito das obrigações e a generalidade dos direitos reais.                   Qualquer intervenção estatal mais rígida, nos planos de vida dos componentes de um agrupamento familiar, converte o Estado em árbitro de formas de vida e de ideais de excelência humana.[15]  A intromissão estatal faz nexo quando respeita aos limites geográficos de proteção dos interesses de menores e incapazes, ou quando preserva a dignidade humana e, os princípios de cultura sócio-familiares já consagrados pela moral coletiva. E a razão lógica pode ser detectada na tendência de quebra das rígidas estruturas familiares, que tinham como motivação vinculação eterna dos casamentos que se suportavam no desequilíbrio da desigualdade e na silenciosa escravidão da dependência econômica da mulher.                    E tanto as relações de família vêm ascendendo para a autonomia de vontade, que, dentre vários lentes,  Carlos Orcesi pontua, já não mais haver como enquadrar a separação e o divórcio como modelos jurídicos de direitos indisponíveis, bastando perceber que é a lei, a primeira a oferecer a possibilidade da dissolução do casamento por mútuo consentimento.[16]                    Produto dessa franca expansão da autonomia de vontade no Direito de Família pode ser comprovado na possibilidade dada aos cônjuges e concubinos de celebrarem acordos sobre a guarda de seus filhos, regime de visitas, a fixação ou renúncia de alimentos,[17] atribuição da moradia conjugal em prol apenas de um dos figurantes da relação e etc. Profundas e constantes mudanças culturais conferiram aos destinatários do Direito de Família, uma ampla disponibilidade na composição judicial de seus direitos e de seus deveres e jogaram para o passado, obsoletas estruturas criadas para largas famílias, centradas, principalmente, numa economia rural.                   Querendo, separandos acrescem ou renunciam meações e, no âmbito dos seus interesses pessoais, e clausulam com crescente criatividade e resguardo estatal de sua prole, os efeitos econômicos de suas rupturas conjugais.                   Já com tardança vem desaparecendo o caráter imperativo do regramento familista, não mais sendo possível concordar com Pedro Albuquerque,[18]  quando afirma ser de diminuto relevo a autonomia da vontade no Direito de Família. Sua mudança vem sendo estrutural, e tudo o que a plural sociedade familiar proclama no depurado trato jurídico das questões conjugais e familiares, é que o Judiciário proporcione uma visão processual pragmática, sem preconceitos e sobretudo, assegure aos jurisdicionados a execução efetiva de seus convênios.                   Melhor se explica o argumento, quando visto que certas cláusulas judicialmente homologadas e que bem alinharam as divergências no plano do direito material, acabam esbarrando na sua posterior execução, porque carecem do típico perfil de um puro título executivo. Foi Zannoni quem disse que seria vã presunção do legislador imaginar que todas as famílias se ajustam a um só modelo, esquecendo que existem famílias mais próximas do antigo modelo patriarcal e outras vivendo numa modelagem mais associativa.[19]  São justamente essas variações econômicas, sociais e culturais, encontradas no mosaico familiar, responsáveis pelo pródigo câmbio de cláusulas que pais e cônjuges procuram para registro e resolução de seus conflitos conjugais e, se o próprio Magistrado é incentivado a promover por todos os meios, acordos judiciais que dêem desfecho adequado às separações de casais, também é preciso que tais negociações encontrem crédito executivo depois de judicialmente homologadas.                   O ato de estender maior autonomia privada para relações jurídicas familiares, não se resume em encontrar apenas, relevantes soluções de conteúdo econômico para conflitos conjugais em juízo, mas, significa acima de tudo, transitar com mais segurança no porvir das personagens que se separam.                      

5.     Processo executivo de acordo ou de decisão judicial no juízo familiar.

                        Exauridos os meios que o processo põe à disposição dos  litigantes para garantir a mais correta decisão judicial, quando por consenso as partes não formulam petição conjunta de conclusão amigável de suas divergências pessoais e econômicas, ou não logram converter o seu primitivo litígio em acordo para homologação judicial, é fato que, a sentença ou a transação depois de transitadas, adquirem a autoridade de coisa julgada.                   Do acordo ou da sentença condenatória que examina e encerra a ação cognitiva, se não ocorre o cumprimento voluntário das obrigações ajustadas ou impostas, nasce o direito de ajuizar a execução forçada, corroborada com o título executivo do credor.[20]                   A execução cuida de assegurar o efetivo cumprimento da prestação jurisdicional concedida no processo de conhecimento ou em cautelar, sendo raro na jurisdição de família que se funde em algum título extrajudicial. [21]                    Alcides de Mendonça Lima assevera cometer ao credor, com pretensão reconhecida em sentença condenatória ou que apresenta título executivo extrajudicial, o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação emanada de qualquer daqueles documento legalmente reconhecido como instrumento hábil à execução. Acrescenta que a sentença judicial ostenta o poderio da coisa julgada, enquanto o título extrajudicial ainda depende de verdadeira fase de cognição, se o devedor oferecer embargos.[22]                   Os títulos extrajudiciais exemplificados pelo art. 585 do CPC, não têm a sua origem no Direito de Família, cuja execução provêm dos títulos ditos executivos judiciais, como a transação feita pelas partes e judicialmente homologada, [23] ou o acordo firmado em procedimento de jurisdição voluntária, que também recebe o selo da homologação judicial que o habilita como título de execução judicial.                    Com certeza que o Poder Judiciário não está licenciado a atuar apenas no limitado monopólio da jurisdição contenciosa, muito pelo contrário, explana Tesheiner,[24] ele alarga o seu campo de postulação, ao permitir a tutela judicial dos legítimos interesses que as partes querem isolar do contencioso, pela absoluta e modelar ausência de conflitos, como são exemplos os processos amigáveis de separação judicial e de dissolução de concubinato, ou v.g., incursões na vereda alimentar.   

6.     Título executivo.

                      Toda a execução deve estar fundamentada em justo título, que pode ser judicial ou extrajudicial, sendo comuns ao Direito de Família os títulos judiciais provenientes de sentenças condenatórias ou constituídos por acordos judicialmente homologados.                      Segundo Dinamarco,[25] só podem ser catalogados como títulos executivos os atos e fatos assim qualificados pela lei e, por expressa disposição consagrada pelo artigo 583 do Código de Processo Civil, sendo nula qualquer execução sem o competente título executivo.                   Título executivo consiste num documento que, ao mesmo tempo em que qualifica a pessoa do credor, o legitima a promover a execução. [26]  Esse documento representa um ato jurídico, nele figurando credor e devedor, com a carga eficacial autorizadora de sua eventual execução. Sob esse mesmo prisma, há interessante observação que pode ser colhida de Eduardo Couture, quando define o vocábulo título como sendo uma qualidade  (título de dono, título de herdeiro). Há título quando se está juridicamente habilitado para fazer uma coisa, mas adverte que também se tem um título, quando se tem em mãos um documento que credita esta qualidade. [27] É possível ocorrer alguma hipótese em que haja titulação de credor sem documento, e documento de crédito sem a titulação do crédito. Couture cita algumas exceções e encerra por afirmar ser normal que: “ambos conceitos coincidam e que o titular de um direito tenha em seu poder o documento que o justifica, promovendo-se a execução em virtude do direito e do documento.” [28]                   Será título judicial no Direito de Família, o acordo amigável de separação judicial, o de dissolução de sociedade de fato, a demanda de divórcio, acordo sobre alimentos, sobre guarda de filho, regulamentação de visitas, partilha de bens comuns e qualquer outra transação apresentada em juízo por casais, concubinos ou familiares que acertaram deveres e direitos pertinentes ao desfecho de suas relações familiares. Apenas que por estas circunstâncias diárias da vida, quando eles rompem os seus vínculos, tendem a documentar os seus compromissos conjugais, advindos do parentesco, do concubinato e que antes, quando juntos pais e filhos em prevalente harmonia, era natural que seus compromissos fluíssem espontaneamente. Também encaixam-se na condição de títulos de execução definitiva as sentenças condenatórias oriundas de contenciosos familiares, depois de transitadas em julgado. Em caráter provisório estão as decisões judiciais interlocutórias de provimento liminar, além das sentenças com recursos recebidos meramente no efeito devolutivo.                   Embora em tese, apenas a sentença dê término formal ao acordo amigável de separação judicial ou de divórcio direto consensual, repugna ao consenso doutrinário e jurisprudencial a formulação de qualquer impugnação recursal de parte de um dos cônjuges que se insurge contra a homologação do acordo já judicialmente ratificado, pretextando vício de consentimento ou retratação unilateral.[29] Semelhante procedimento ocorre no direito argentino, onde a retratação unilateral só pode ser operada até a realização da segunda audiência de conciliação, correspondendo à ratificação do direito brasileiro.                    Após a ratificação judicial só tem cabimento a desistência conjunta do processo, enquanto ainda não ditada a sentença. Para Zannoni é vedada a retratação unilateral após a ratificação do acordo de separação dos cônjuges, porque pode envolver alguma manobra tendente a burlar a boa-fé da outra parte durante o desenvolvimento do processo de separação.[30]     

7.     Liquidez, certeza e exigibilidade do título executivo.

                      De acordo com Ernane Santos [31]  o título executivo deverá revelar não apenas exigibilidade e certeza da dívida, mas também a sua liquidez, para permitir conhecer o montante certo da determinação da coisa ou da obrigação. O título deve necessariamente, expressar certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação a que visa executar: certeza diz respeito à existência da obrigação; liquidez corresponde à determinação do valor ou da individuação do objeto da obrigação, conforme se trate de obrigação de pagar em dinheiro, de entregar coisa, de fazer ou não fazer: exigibilidade tem o sentido de que a obrigação que se executa, não depende de termo ou condição e nem está sujeita a outras limitações.[32]                   O título executivo familista por excelência é constituído pela sentença condenatória que dissolveu um casamento ou um concubinato e suas correlatas conseqüências, ou que decidiu apenas sobre alimentos, guarda e visita de filhos, partilha de bens, separação